Renée “Zizi” Jeanmarie e Roland Petit se conheceram ainda crianças, na escola do Ballet do Opéra de Paris. Almas gêmeas artísticas, os dois também se apaixonaram logo cedo. Porém a união era volátil, com Roland se envolvendo com outras bailarinas quando estava afastado de Zizi. Para provar sua devoção e amor à sua musa, enciumada por um romance dele com Margot Fonteyn, ele criou para Zizi o que viria ser a obra-assinatura dos dois: o balé Carmen.

Zizi era sua musa, porém quando Margot Fonteyn entrou no cenário, a bailarina francesa não gostou. Afinal, o romance entre Roland e Margot foi intenso, público e rendeu a criação de uma obra que revelava pela primeira vez uma Fonteyn sensual. Era demais para ela.
Zizi deu um ultimato: ou o namorado criava algo para ela e terminava o romance com a inglesa ou estava tudo acabado. Roland, perspicaz como sempre, percebeu um paralelo inegável com a envolvente Carmen. Nascia assim um dos balés mais inovadores da história, fazendo de Zizi uma lenda e dele um dos maiores coreógrafos de todos os tempos.

Há sempre de se ressaltar que se hoje Carmen é moderno, imagine que essa obra é de 1949. Isso mesmo, há 72 anos os bailarinos fumavam no palco, as danças tinham conotação sexual e Zizi chocou o mundo com o cabelo curto, como de homem. Mais ainda, ela dançava apenas de corsete, o que era estar praticamente nua no palco.


A música de Carmen foi obviamente tirada da ópera de Georges Bizet, rica em melodias e ritmos. Roland reduziu a trama para poucos quadros, avançando rapidamente no envolvimento doentio entre a cigana Carmen e o soldado Don José. Assim como na ópera, ela o seduz e o induz a uma vida criminosa, apenas para abandoná-lo por outro homem. Louco de ciúmes, José a confronta e a mata em uma das cenas mais violentas vistas no palco.

Com mímica, canto e uma inovadora dança dramática, o ballet é incrível. Os figurinos e cenários de Antoni Clavé são ricos em cores e detalhes, porém simples e amplos ao mesmo tempo. O roteiro segue a obra de Prosper Mérimée, de 1845. Eu li o livro e a essência de Carmen é captada por Zizi como poucas. A cigana era quase cruel na sua determinação de ser uma mulher livre, porém presa ao seu destino, exposto em cartas de tarot. Respeitando que sua morte seria violenta e pelas mãos de José, Carmen não evita ou busca alternativas para mudar o jogo. Ela é uma personagem fascinante e forte.

Roland Petit dançou o papel de Don José na estréia, ao lado de Zizi e os dois, mais tarde, filmaram a obra. Nos final dos anos 70s, Mikhail Baryshnikov dançou ao lado de Zizi, ainda estonteante no mesmo papel 30 anos depois. Maya Plissetskaya e Alicia Alonso fizeram outra versão do balé mais tarde, porém é a coreografia de Roland Petit que ficou mais famosa.



Alguns detalhes foram curiosos. A ária conhecida como Habanera, que é a entrada de Carmen na ópera, virou a variação de Don José. O solo de apresentação da cigana é a canção que ela seduz o soldado, Près des rempart de Seville. A cena dos dois no quarto, usa a bela melodia de abertura do terceiro ato e, o embate final, é transformado em uma tourada, com Carmen sendo abatida. Genial.

Tudo em Carmen é superlativo. Reveja alguns trechos abaixo.
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