007- Sem Tempo Para Morrer: um James Bond sobre perdão e vingança

007 – No Time to Die parecia um filme micado desde que começou. Inicialmente batizado como James Bond 25, por ser justamente o 25º de toda franquia (oficial), o filme teve troca de diretores, mudanças e brigas no roteiro, problemas de acidente com o ator principal, afastado das gravações por meses (quebrou o pé), e – quando estava para ser lançado – veio a pandemia. Ou seja, quase cinco anos para chegar aos cinemas (isso, parte do atraso foi conseguir esperar até que os cinemas estivessem liberados). Valeu a pena? Sim, um grande SIM.

Uma história amarrada: trama “simples” e eficaz

Vamos esclarecer algo importante. Teremos SPOILERS.

A trama de No Time do Die (Sem tempo para Morrer, uma tradução que não capta a dualidade do título) é a amarração de TODOS os James Bonds de Daniel Craig no papel, além de inúmeras citações da franquia, para delírio dos fãs. Muito mais do que em Skyfall. A história é sobre vingança e perdão, como as consequências de todos os crimes são amarradas e como poderão chegar ao fim.

Depois que deixou a MI6, James Bond e Madeleine Swann estão casados e felizes. Porém a psicóloga faz um acordo com o marido: para seguirem em frente com suas vidas, precisam dar adeus ao passado de vez. Isso significa que James tem que perdoar Vesper e ela se compromete em contar um último e vital segredo de sua infância. Obviamente serão interrompidos e o fato de que James cita a frase de A Serviço Secreto de Sua Majestade, com direito à citação da trilha sonora do filme, os dois viajam em um carro igual ao filme de 1969, com a mesma tomada de cena, é o primeiro spoiler do filme, mas só “pega” quem faz parte da corrente de que o longa um dia chamado de “o pior de todos os Bonds” hoje configura como um dos melhores.

Ainda estou coçando minha cabeça para entender a razão de que Vesper Lynd seja enterrada em uma cidade italiana e que se fosse pelo local de sua morte, por que não Veneza? Bom, o cenário é ideal para uma brilhante sequência de ação pois a Spectre está de volta e no atentado à Bond, fica parecendo que Madeleine estava envolvida. O gatilho de ser traído pela segunda vez depois de abrir o coração é demais para Bond, ele coloca Madeleine em um trem, o casamento acaba e temos uma passagem de 5 anos, com um James vivendo idilicamente na Jamaica. Sozinho.

Antes, falemos de Madeleine. O filme abre com um flashback da infância da psicóloga, onde testemunhou o assassinato de sua mãe por uma das vítimas de seu pai, um assassino da Spectre. Madeleine tem mira e iniciativas natas de uma agente ou terrorista, mas isso não vem ao caso, só nos aponta que ela tem as atitudes essenciais de sobrevivência. É nesse momento que ela conhece Lyutsifer Safin (Rami Malek). Em uma virada surpreendente para os vilões de Bond, Safin tem motivação pessoal, mas igualmente um resquício de humanidade, e paradoxalmente salva Madeleine, criando uma ligação traumática para ela e essencial para a conclusão da história.

Bond é trazido de volta ao mundo da espionagem por causa de seu amigo e agente da CIA, Felix Leiter (Jeffrey Wright). Os dois experientes agentes, percebem que há algo estranho no roubo de uma arma biológica ultra secreta, mas como Felix mesmo ironiza, “querem poder dizer que salvaram o mundo mais uma vez”. O jogo está mais complicado dessa vez.

A trama envolvendo a arma é o McGuffin de 007 – No Time To Die. E o fato de que há Mcguffins em 007 é mérito da era Daniel Craig como James Bond. Para lembrar, o termo criado por Alfred Hitchcock é referente a um objeto/evento/personagem que cria a narrativa da história para gerar uma série de eventos, mas na realidade tem pouca relevância para a verdadeira história que vemos. Os filmes de James Bond, até Daniel Craig, eram simples aventuras de um homem salvando o mundo. Sabemos que Bond é o herói que salva, agora acompanhamos sua essência, motivação para salvar as pessoas e as consequências de suas escolhas. Portanto, a arma química nos traz Felix, uma ponta divertida e incrível com Ana de Armas, o envolvimento de M (Ralph Fiennes) com o que certamente vai custar seu emprego, Ernst Blofeld (Christoph Waltz), o time da MI6 (Monneypenny, Q) e uma nova agente, Nomi (Lashana Lynch), a nova 007.

Isso mesmo, desde Cassino Royale os roteiristas batem nessa tecla, 007 é apenas um número. James Bond é a diferença.

Voltando à trama, a arma química desenvolvida em segredo na Inglaterra é roubada por Safin em sua missão de vida de acabar com a Spectre, incluindo Blofeld. Ele é bem sucedido porque usa as pessoas que trouxeram dor para sua vida, MI6, CIA, Spectre, como peões no tabuleiro. Naturalmente com algo tão poderoso em mãos, Safin pode virar o pior terrorista de todos os tempos e “precisa” ser interrompido. Volta Bond, que reencontra Madeleine e os eventos começam a se atropelar daí.

Se prestarmos atenção no início, quando Madeleine fala de segredos e precisar encerrar o passado para começar “nova” vida, ela estava para revelar para James que eles seriam pais, porém a abrupta separação dos dois o impede de saber por CINCO ANOS de que tinha uma filha. Domesticar James Bond com casamento e família hoje é aceitável, mas foi a principal razão da rejeição em 1969. Por profissionalismo apenas o espião já arriscaria sua vida pelo mundo, mas, com a filha sob direta ameaça de Safin, ele vai além. Isso mesmo, em uma virada surpreendente, James se sacrifica para salvar sua família e o mundo. Nos despedimos de Daniel Craig com a morte emocionante de James Bond, dizendo para a mulher e filha que elas tem “todo tempo do mundo”, mas é hora para ele morrer.

É emocionante, intricado e justificável, um fim perfeito para a “gestão” de um ator que transformou a franquia em algo atual e interessante. Fica duas possibilidades no ar: Nomi, como 007 e ATENÇÃO, Mathilde Bond, a filha de James, que vai aprender tudo sobre seu pai com Madeleine e que pode crescer para ser uma grande espiã mais à frente.

Acertos e falhas de 007 Sem Tempo Para Morrer

O maior acerto de 007 – Sem Tempo Para Morrer é a infindável homenagem de todos os elementos da franquia Bond ao longo dos 54 anos de existência. Pesquei mais de 15 e uma primeira vez que vi o filme, mas certamente há muito mais. Encerrar essa versão do espião com um vilão claramente ligado ao Dr. No, o primeiro de todos, é genial. Mesmo cenário, mesmos trejeitos e a contextualização da semente plantada no jardim da Guerra Fria, com flores belas, tóxicas e fatais, é genial. Demanda uma análise mais profunda do que a resenha de um filme. Rami Malek trouxe dignidade e profundidade a um vilão que não almejava James Bond, mas que não seria interrompido em seu genial plano de vingança. O último Bond morrer onde o primeiro Bond surgiu é quase poético.

Hans Zimmer assumir a trilha sonora também foi um acerto. Sua orquestração dos temas de John Barry são respeitosas e a canção título de Billie Eilish, que vai ganhar Oscar, está próxima da qualidade de Skyfall.

Os defeitos do filme são poucos, mas existem.

Ao dividir a canção de Billie com o clássico We Have All The Time in The World reduz a importância de uma linda canção. No primeiro filme da franquia, 007 contra Dr.No ainda não havia as canções de abertura e Under the Mango Tree, cantarolada por Ursula Andress e Sean Connery, não figura entre os temas de 007. E, tradicionalmente, quando havia dois temas, um deles era instrumental. Dessa forma, No Time To Die acaba sendo subutilizada e sem força. Billie não merecia isso.

A tentativa de colocar uma mulher negra como a nova 007 pode emplacar ainda. Afinal, como praticamente gritaram, “é apenas um número”. A história de James Bond, sugerem, é maior do que sua licença para matar. É uma boa pegada, mas Lashana Lynch ainda não encontrou o tom de Nomi, que é uma agente ainda arrogante e insegura. Dentro de Sem Tempo Para Morrer ela não chega a nos conquistar ou criar uma ligação com o antecessor. Fica no ar.

A subutilização do time da MI6, a quem aprendemos a amar e torcer, principalmente Q, foi lastimável. Ralph Fiennes também se despede de M (impossível ficar no cargo depois do escândalo e impasse diplomático do filme) e ele estava soberbo no papel.

Há uma confusão nos envenenamentos. Quando James é exposto pela primeira vez, Q repete mais de uma vez que “ainda bem que não tem ninguém geneticamente ligado à você porque os mataria”. Em seguida descobrimos que ele tem uma filha. Os dois se tocam, ela fala de uma mordida de mosquito (achei que fosse morrer nos braços do pai ali) e apenas no final, quando Safin injeta em Bond o veneno, é que ele não mais poderá chegar perto da menina. A explicação é que Bond estava infectado com o veneno desenhado para Blofeld, no final, Safin o infecta com o veneno desenhado para Madeleine, mas juro que tem que parar para pensar e entender. Um soluço em um filme, de outra forma, maravilhoso.

Vale cada minuto. Daniel Craig merece todos os elogios pela coragem, força e impacto na franquia. Nunca obvio e agora deixa um espaço para o próximo. Ainda pior do que encontrou: com o desafio de superar a paixão religiosa dos fãs de James Bond, que agora tem um espião atualizado, denso e muito mais interessante do que o ator encontrou.

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2 comentários Adicione o seu

  1. Sérgio Mateus disse:

    Adorei seu comentário. Uma despedida digna de Daniel Craig, que vai deixar muitas saudades. Os produtores vão ter muito trabalho e dor de cabeça para encontrar o novo ator.

    Curtido por 1 pessoa

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