O Poder do Talento de Benedict Cumberbatch em The Power of the Dog

Jane Campion é uma das melhores diretoras de sua geração, com um gosto pelo drama e uma forma não linear de contar suas histórias. É igualmente, uma diretora de atores ímpar. No filme O Piano, emplacou os Oscars para Holly Hunter e Anna Paquin. Em Retrato de uma Mulher, Nicole Kidman foi roubada e esnobada em uma grande atuação. E, depois de um hiato de 12 anos, Jane ressalta toda dualidade e talento de Benedict Cumberbatch, um dos grandes favoritos para o Oscar esse ano em The Power of the Dog. Até o momento, sua atuação é a melhor, para mim. E mais, também aposto na indicação e vitória como coadjuvante de Kodi Smit-Mcphee.

Esse post, terá SPOILERS porque a história tem uma virada surpreendente e que é essencial para que o elogio à Benedict e Kodi tenha ainda maior contexto.

O segredo está no título, mas apenas na última cena é revelado

A trama de The Power of the Dog, uma adaptação do livro de mesmo nome de Thomas Savage, escrito em 1967, é relativamente simples, quando começamos. Dois irmãos, Phil e George Burbank, que vivem em uma fazenda isolada em Montana, cuidando do gado. A relação entre os dois é passiva agressiva, mas a chegada da viúva, Rose, e seu filho, Peter, desestabiliza a estrutura frágil que sustentava a vida dos fazendeiros, assim como a dos recém-chegados. TODAS as dicas e metáforas que precisamos pescar para a virada final estão nos detalhes, em cada diálogo. Voltarei a eles no final do post.

Phil é um homem grosso, dominador e manipulador. Já George é tímido, retraído e sufocado por ele. Em um lance de “rebeldia”, George se apaixona e se casa com Rose, deixando Phil claramente abalado com a decisão. Rose tem um filho, Peter, claramente sensível, gay e inteligente. Peter parece ser a vítima perfeita para Phil, que o humilha e atazana até as lágrimas do momento que o conhece.

De cara vemos que Phil gosta de dominar e liderar, tanto que ri que “tiraram a fazenda da velha”, sinalizando como é inescrepuloso, assim como fica relembrando seu ídolo e mentor, Bronco Bill. Phil é o ídolo agressivo de uma patota de homens igualmente broncos. Ao mesmo tempo, vemos que Phil é um excelente tocador de banjo e que, enquanto os homens buscam prostitutas e bebida, ele fica isolado. É um homem atento aos detalhes, não toca em animais doentes e vê coisas no horizonte que outros não vêem. Nesse momento, a obsessão pelo irmão é óbvia, mas ao conhecer a viúva Rose, que parece atrair os dois, Phil ressente a ligação de George com a mulher. Seria por que ele também a amava? Qualquer que seja a aparente resposta aqui, a decisão de Phil é de atormentá-la silenciosamente, sabendo que haverá consequências e conseguirá quebrá-la. Rose passa a beber e logo se torna alcóolatra.

Há duas dicas importantes aqui: a habilidade de Phil de tocar o banjo, contrastando com a dificuldade de Rose no piano e – quando os pais vêm ao jantar na fazenda – vemos que Phil é um homem com educação de nível superior, formado em Filosofia e fluente em Latim, portanto sua agressividade de ser um fazendeiro ganha outro contexto, aludindo sua frustração e decisão de extravazar a raiva maltratando as pessoas ao seu redor.

Mas voltemos à Peter.

Na primeira cena, vemos que o jovem é meticuloso – ele quer ser médico – e faz uma flor de papel que até Phil elogia, de tão perfeita que está. Mas o cowboy a queima em seguida, destruindo a obra e levando mãe e filhos às lágrimas. Quando Rose se casa com George, Peter prefere ir para um internato e ficar longe, para grande tristeza de sua mãe.

Quando está de férias, Peter volta à fazenda e encontra a mãe constantemente bêbada, o padrasto ausente e um Phil ainda apavorando a todos. Sutilmente, o rapaz não o teme como antes, e observa a tudo silenciosamente. A tensão é constante e nós ficamos angustiados.

Rose tem pânico de ver Phil rondando Peter, mas Peter descobre o grande segredo e aí, está a primeira virada da trama.

Subestimando os fracos e o salmo do título

Peter, como sabemos, é bom de armadilhas. Consegue pegar um coelho, ao qual presenteia a mãe. Já tem conhecimentos de anatomia e saúde, com curiosidade sobre os animais doentes. E, para surpresa de Phil, vê a mesma imagem do horizonte nas montanhas: um cão ladrando. Ou seja, eles têm algo em comum.

Em seguida, Peter descobre o segredo de Phil: ele é homossexual. E faz questão de “ser pego” pelo fazendeiro em um momento de intimidade (ele se masturba com um lenço com as iniciais de Bronco Bill) o que nos faz pensar que Phil, a partir daí, vai querer matá-lo.

Para estranhamento geral, Phil se aproxima de Peter e os dois se tornam grandes amigos. Em uma tarde onde estão sozinhos, eles encontram um coelho preso em um monte de madeiras, e Phil machuca seriamente sua mão, sem conseguir pegar o animal. Peter consegue, mas o coelho está com a pata quebrada e precisa ser sacrificado. Phil oferece uma faca, recusada por Peter que está fazendo carinho no bicho. E, para surpresa do cowboy, quebra silenciosamente o pescoço do coelho, matando sem aparente violência. Ainda assim, convsersando, Phil tenta humilhar Peter quanto ao alcoolismo de Rose, assim como o do pai do menino, mas o jovem não parece surpreso ou abalado. Ele revela que seu pai se matou enforcado e que ele foi quem encontrou o corpo. Seu pai temia que ele fosse “forte demais”, um claro contraste com sua aparência frágil e sensível, que é tudo que Phil ainda vê. Mesmo depois do sacrifício do coelho.

Livrame da espadalivra a minha vida do poder do cão

Salmos 22:20

Phil estava fazendo uma corda de couro para Peter, exatamente como Bronco Bill fez para ele. Mas Rose – para irritá-lo- doa todas as peles e Phil fica sem material, transtornado e extremamente agressivo. Nesse momento, Peter revela que tinha um pedaço de pele guardado, “porque queria ser igual a ele”. Phil, a essa altura, já está obcecado por Peter e aceita, sem reparar que Phil estava usando luva quando entregou o couro. Os dois passam a noite juntos, conversando e Phil revela que Bronco Bill salvou sua vida, em uma noite em que ia morrer de hipotermia, mas que Bronco “passou a noite enconstando seu corpo no meu para me aquecer”. Peter não deixa passar: “vocês estavam nus?”. Nem precisava responder.

Na manhã seguinte, Phil acorda febril e sua mão ferida muito inchada. Ele resiste ser levado ao médico, mas vai. Logo vemos que foi tarde demais e ele morre, em consequência de ter sido infectado com a doença dos animais que ele evitava. Apesar do momento triste, a morte de Phil traz paz para o local, com todos silenciosamente aliviados. Peter não vai ao funeral, e o vemos lendo o trecho dos salmos 22:20, que dá nome ao filme. Para salvar sua mãe, e se vingar das humilhações, matou o agressor, o cachorro que ameaçava morder a todos. É de arrepiar.

Atuações impecáveis e com Oscar quase garantido

Benedict Cumberbatch é um dos melhores atores da atualidade e consegue passar todos os conflitos de sua personagem com uma entrega e classe impressionantes. Já tinha feito o homem sensível, mas como agressor está apavorante. Ainda assim, vemos que ele sofre silenciosamente e quando fala do passado, por exemplo, de Bronco Bill, é quase como se víssemos a cena diante dos nossos olhos, tão poderosa é sua interpretação.

Como todos os filmes de Jane Campion, que ganhou o prêmio de direção em Veneza e pode vir com força para o Oscar, é – como já falei – uma diretora de atores. As cenas de Benedict com Kodi Smit-McPhee são perfeitas e ambos devem ser reconhecidos esse ano, minimamente com indicações ao prêmio da Academia.

Com um roteiro bem amarrado, uma fotografia linda e uma trilha sonora de Jonny Greenwood (Radiohead) sufocante, The Power of the Dog tem força para render à Netflix seu Oscar de Melhor Filme.

Não é de fácil digestão, mas um filme de arte, consistente e sensível. Vale conferir.

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