O pesadelo da Rainha: Andrew perde títulos militares e honras

A coragem de Virginia Giuffre tem que ser reconhecida. A História poderá, eventualmente, apontar se a motivação dela foi nobre ou não ( eu julgo que é), mas ninguém vai tirar de Virginia as múltiplas vitórias que vem acumulando desde que decidiu sair à frente pelo pedido de reparação das pessoas que abusaram e a exploraram quando era adolescente e vulnerável. Jeffrey Epstein foi preso, mas (aparentemente) se matou antes de prestar contas à Justiça. Sua partner e confidente, Ghislaine Maxwell, acaba de ser condenada e ainda tenta manobras jurídicas para conseguir liberdade. Vai responder à parte no processo que Virginia está movendo contra ela. No momento, chegou a vez do Príncipe Andrew. Se engana que ela vá parar por aí.

Há dois anos acompanho essa novela de perto. Primeiro, cobrindo para CLAUDIA e, depois, apenas por indignação e curiosidade. O fato de que Virginia teria tido um estilo de vida de luxo como parte do retorno para fazer sexo, classifica ainda hoje para muita gente, incluindo mulheres, que havia anuência de sua parte para ser oferecida e compartilhada sexualmente por Epstein para seus amigos, no caso, Andrew. Porém, o que não dá para negar à ela é a proteção legal de que uma pessoa menor de idade – ela tinha entre 16 e 17 anos quando tudo aconteceu – é manipulável, classificando o crime de estupro vulnerável. Um crime previsto de punição e julgamento, algo que, raramente acontecia, justamente por causa da exposição, pressão e humilhação de qualquer vítima que ousasse pedir justiça ou reparação. Até o tempo que se leva para criar coragem é usado contra os sobreviventes.

O dinheiro é outro elemento usado como motivação porque faz parte da punição. Sim, infelizmente há pessoas de má fé, não nego isso. Porém, no caso de Virginia, há uma questão que há de se considerar. Quando ela entrou na Justiça, há mais de 20 anos, o mundo era outro. Mulheres não tinham voz. Ela de fato aceitou o acordo para se calar e que o processo contra Epstein fosse arquivado. Honestamente, antes do #metoo, em muitos casos, acordos eram o mais próximo de uma sentença que se poderia chegar.

Epstein teria colocado Ghislaine como parte protegida nesse acordo e outros envolvidos que, um dia, Virginia pudesse vir a acusar, sem citá-los nominalmente. Epstein queria proteger o príncipe Andrew e outros poderoros? Certamente.

Para piorar tudo, mesmo com provas, o príncipe teve a coragem de ir à TV dizer que não conhecia Virginia, que, na época, queria um reconhecimento de culpa e pedido de desculpas. Depois questionou a foto dos dois juntos. Recentemente, sem argumentos para negar o óbvio, tentou entrar como parte citada no acordo de Epstein. Questionou a legalidade da acusação, a base da Corte nos Estados Unidos. Basicamente, esperneou e bateu o pé, inclusive se escondendo no castelo para não receber a intimação judicial. Vergonhoso a redefinir o termo.

Andrew perdeu a chance de parar todo o movimento se tivesse tido algum tipo de sensibilidade. Das desculpas públicas à financeira, houve mais de uma oportunidade de mostrar arrependimento ou minimamente compreensão do que está acontecendo, mas, ao contrário, apostou no Sangue Azul, de estar acima das leis para plebeus. Em bom português? Se deu mal. Muito mal.

Essa decisão equivocada e absurda de Andrew criou um fato Histórico que vai marcar o reinado de Elizabeth II. Sob pressão pública e baixos-assinados, a Rainha foi praticamente obrigada a tirar do filho os títulos Militares e o de Sua Majestade Real, o transformando no que ele se recusa a ser: um homem como outro qualquer. Aliás, eu diria apenas um homem ruim, mas está implícito. Deixe-me reparar: (ainda) um Duque, mas sem as reverências com as quais conviveu por 60 anos. Para nós, um puxão de orelha sem pressão. Pare ele? Um tabefe.

A dor de cabeça do príncipe está muito longe do fim, mesmo com uns dois bons anos de trégua, quando ficou escondido (quase literalmente) na barra da saia de sua mãe. Ele tem que torcer que Virginia se dê por satisfeita com o que está acontecendo e que aceite um acordo financeiro como conclusão. Se alguém a segue ou acompanha a História, sabe que esse barco navegou há muito para mar aberto, não volta ao porto e não pára aí. Pelo que vejo, Virginia agora o quer preso e isso não está fora das cartas. Certamente nada do que Andrew fez até o momento o ajudou para aliviar seu caso em um julgamento. Será questionado, exposto e humilhado . Mal começou. E ele que torça que tenha sido apenas Virginia na sua vida, porque se outras vierem à público será ainda pior…

Tudo isso no meio do Jubileu de Platina da Rainha Elizabeth II, que está com saúde fragilizada, perdendo amigos diariamente por causa da idade avançada, isolada por causa da pandemia e vendo sua família se desfazer em público. Se Charles já teria dificuldade para ser encarado como Rei por causa de suas atitudes com a Princesa Diana, nada do que esta sobrando para ele minimiza um período conturbado e crucial para Monarquia Britânica. Que azar dos Windsors estarem apenas com os membros mais sem graça da Família Real em prontidão para encarar o tranco.

Sei que não serei popular com minha avaliação, mas a culpa não é apenas de Charles, Diana ou Meghan ou Harry ou William. A recusa de Elizabeth II de flexibilizar sua atitude monástica de reinar, colocando a servidão silenciosa como uma vocação e sacrifício, foi deixando baixas irreparáveis ao longo de sua vida. Há um conforto em se aparar sempre na tradição e não mover muito o dedo para tentar adaptar as regras aos tempos atuais. The Crown veio apenas relembrar alguns exemplos disso, como apagar o marido de personalidade forte como Príncipe Philip ao negar usar o sobrenome dele nem passá-lo para os filhos; depois, amargurar a inconstante Princesa Margaret ao obrigá-la a escolher entre a Monarquia ou o casamento (por amor) com um homem divorciado, mesmo que Margaret jamais fosse ser Rainha um dia. E seguiu: a hipocrisia de impedir que Charles escolhesse Camilla Parker Bowles como esposa – porque não era mais virgem – fez da vida da inocente e fantasiosa Diana um pesadelo. Quarenta anos depois de tudo isso, William, Kate, Meghan e Harry estão enrolados no mesmo novelo. E Rainha? Protegida pela tradição e idade. Ninguém fala mal dela, mas, apenas ela poderia reverter tudo. E não fez. Quando foi a vez de Andrew, levou sofridos três anos até conceder ao apelo público de “puni-lo” de alguma forma mais revelante. Ainda assim, a conta (cara) dos advogados? É dela.
É doloroso falar de uma senhora quase centenária, da maior referência mundial que pode ser meme, pode ser pop, pode ser a maior Rainha de todos os tempos, mas o drama de seus 70 anos no Poder são apenas seus. Uma pequena mudança teria colocado a História em outra direção, mas, ainda em 2022, ela se recusa. Tirar os títulos do filho conhecido como seu favorito foi uma de suas cessões mais dolorosas, não tenho dúvida. E, de novo, pela Coroa. Um carma.

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