Um tapa na cara marca Oscar 2022

Uma cena surreal, estranha, sem sentido ou provocação clara entrou para a história das premiações e, sem dúvida, do ano. Tudo por causa de um tapa na cara do comediante e apresentador Chris Rock, protagonizada por Will Smith, um dos astros mais adorados e simpáticos do cinema na noite na qual finalmente recebeu o Oscar como Melhor Ator, coroando uma carreira singular que o fez referência em Hollywood. Sem meias palavras? Uma vergonha para Will Smith.

Chris Rock já foi o principal apresentador do Oscar mais de uma vez e suas “piadas” sempre foram incômodas. Chris sempre cutucou o racismo da indústria, muito antes da diversidade estar abrindo a porta. Destemido, ele foi o apresentador no ano em que a Academia ficou manchada por não ter nenhum representante “não caucasiano” nas principais categorias, em 2016 e foi lá que ele plantou a semente que colheu 6 anos depois com o mesmo casal, Jada e Will Smith. Na ocasião, Jada pregou o boicote à festa e Chris fez uma gozação no ar que boicotar uma festa para a qual ela não foi convidada era algo oportunista e ridículo, além de inútil. Ou assim nós ouvimos, ele poderia estar reforçando que como não haveria negros na cerimônia, o boicote seria inútil. O que ficou foi uma agressão verbal direcionada que mesmo na época causou surpresa.

Na década em que se seguiu as coisas não melhoraram para o casal. Jada, que é uma atriz aberta e tem um talk-show no Facebook, assumiu ser bipolar, seus casos extra-conjugais e muitos dramas, com um apoio irrestrito de Will, apaixonado por ela. Há três anos, quando os dois falaram do acordo que têm sobre sua forma de amar, que parece ser um casamento aberto, o mundo ficou em um misto de pena e confusão em relação aos dois. Naturalmente o assunto virou piada e Regina Hall foi a primeira a usá-la na noite quando listou o ator como um dos seus candidatos para reexame de Covid. Nesse momento constrangedor, Jada fingiu rir e Will se recusou a brincar e subir no palco, mas sorriu.

Por essa razão, quando Chris Rock chamou Jada de GI Jane, em uma referência ao filme de Ridley Scott com Demi Moore, Até o Limite da Honra, de 1997 (no qual a cena mais famosa tem a atriz raspando a cabeça), ninguém riu ou necessariamente irritou, todos menos o casal. É que Jada admitiu ter mudado o visual por sofrer da doença autoimune Alopecia, portanto não é uma opção estética pura pela ousadia, mas pela necessidade. Dessa forma, Chris teria sido mais uma vez grosseiro, mas nada justifica o que aconteceu em seguida.

O apresentador fez a piada no improviso e a câmera mostra Will Smith rindo, mas Jada revirando os olhos. Em segundos o clima muda. O ator sobe ao palco e como Chris, tivemos a impressão de que faria alguma brincadeira ou reclamação, mas com respeito. Nada disso. Ao se aproximar, Will deu um tapa sonoro na cara de Chris, que mesmo chocado riu e se manteve firme. Foi ele que admitiu no ar “Acabei de levar o maior tapa de Will Smith” enquanto o ator voltava para sua cadeira, de onde xingou o colega o mandando parar de falar “da p**** da mulher dele” duas vezes. Chris não perdeu o rebolado: “pode deixar, farei isso”, avisou e retomou o texto apresentando os candidatos e o vencedor de Melhor documentário. Ninguém prestou atenção.

Menos de 20 minutos depois, chegou a hora de anunciar o Melhor Ator e sem surpresa era a noite de Will Smith. O astro já estava gargalhando segundos depois da agressão, subiu ao palco, chorou, disse que foi movido por “amor” e a necessidade de proteger sua esposa. “Fazemos loucuras por amor”, se justificou em lágrimas para uma platéia ainda atônita. Pediu desculpas aos colegas e à Academia, mas não à Chris Rock. Ou à nós.

O desequilíbrio emocional e psicológico de Will Smith tem sido exposto por muitos anos com a honestidade que ele e Jada decidiram conduzir suas vidas. Havia mil outras formas de defendê-la sem partir para violência física e é inadmissível que qualquer um ainda considere que o ator tivesse algum pingo de razão pela cena lastimável que escolheu para seu legado. Jamais será dissociado dela e é uma consequência justa. Chris Rock ficou mais atônito com isso do que qualquer outra coisa: “Essa cena entrou para a História da TV”, ele lamentou na hora.

As noites do Oscar têm sido assim, previsibilidade de 99,9%, mas o 1% que SEMPRE surpreende tem sido cada dia mais chocante. Anunciar filme errado estava em um patamar que apenas o Melhor Ator da noite sair no tapa com o apresentador poderia superar. Uma pena.

Chris Rock está errado em brincar com a saúde, a estética e a dor de uma mulher que é honesta sobre seu sofrimento. A piada, sem graça, era insensível e grosseira. Porém o ato físico que Will Smith elegeu como resposta é ainda pior. Agressão física jamais é a resposta. Nunca por amor, por nada nesse mundo. Will Smith errou. Um mito se desfez diante dos nossos olhos. E essa foi a primeira grande noite pós-covid. O mundo realmente não voltou a ser o mesmo.

No mais, as vitórias de Troy Kotsur, Ariana DeBose, Jane Campion, Kenneth Branagh, Billie Eilish e até Jessica Chastain eram esperadas. CODA – No Ritmo do Coração ganhou fôlego nos últimos meses e venceu como Melhor Filme, mas não chegou a ser uma zebra porque reúne os elementos tradicionais de um filme da Academia.

A ver como será em 2023. Melhor evitar colocar Ricky Gervais no mesmo ambiente que atores ofendidos. Afinal se amor justificar tudo vai ser uma noite digna de Mike Tyson.

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