A profundidade de temas atuais, como traumas, luto, doenças mentais, preconceitos, inclusão e esperança são o coração das histórias dos heróis da Marvel há mais de uma década agora, portanto reescreveram o que antes recebia o desdém de “filmes de super-heróis” para obras de qualidade. Isso mesmo, qualidade. A complicada e intricada conjunção desse universo, com tantas tramas e personagens paralelos é costurada com tanta precisão que a metáfora de ter o melhor cirurgião – Dr. Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) – “protegendo o universo” enquanto se coloca como ponto de encontro para a fase 4, é perfeita. A entrada e saída de personagens e costura dos “multiversos” é, efetivamente, cirúrgica e o antecipado Dr. Strange no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness) comprova.
Não tenho como evitar SPOILERS, mas não vou falar sobre easter eggs ou surpresas ou apenas a trama. Fica o aviso.

A festejada direção de Sam Raimi, cujo lado obscuro e filmes de terror acabam sendo sua assinatura, se encaixou perfeitamente para esse momento da história, embora também tenha – a meu ver – me distraído com as auto referências ou citações de clássicos. É uma opinião impopular e muito pessoal, mas concordo que Raimi conversa com essa fase do universo Marvel, bem mais densa.
Assim como nós estamos reaprendendo a nos socializar e retomar rotinas pré-pandêmicas depois de 2 anos, nossos heróis e as pessoas ainda lidam com o buraco que o estalar de dedos causou, tirando 5 anos das pessoas que “morreram” e que voltaram para uma vida onde não se encaixam perfeitamente. Quem perdeu pessoas amadas, como Wanda Maximoff (a excelente Elizabeth Olsen) oscila com o luto que traz raiva, frustração assim como pura tristeza, algo que Dr. Strange também se identifica. Porém, a dor os coloca em lados opostos..


O filme é, como já foi dito, a sequência imediata de WandaVision e demanda que a série tenha sido vista para entender o que está acontecendo, ainda mais do que Spiderman ou Loki. Se ainda não viu, são apenas seis episódios e o mais original storytelling dos últimos anos.
Mas, com spoilers, reencontramos Wanda, agora a Feiticeira Escarlate, estudando a forma de como não apenas poderá entrar em um dos multiversos onde seus filhos estão vivos, como ficar com o poder de navegar por eles (para ter a possibilidade de proteger sua família). Como sua motivação é egoísta e dolorida, obviamente traz caos para todos os multiversos, levando a Dr. Strange a agir.



Benedict Cumberbatch está encantador como Dr. Strange, mais uma personagem arrogante e solitária. Ele é um homem que também lida com perdas, por isso tem simpatia por Wanda, afinal ela perdeu os pais, o irmão gêmeo e foi obrigada a pessoalmente matar o amor de sua vida, Vision (Paul Bettany). Depois de voltar dos 5 anos em que virou pó, Strange lida com a cobrança de sua estratégia de “essa é a única maneira”, que salvou o planeta ao custo da vida de milhares, incluindo a do Homem de Ferro (Robert Downey Jr). Além disso, perdeu seu “cargo” de Mestre Supremo (o que me parece justo) para Wong (Benedict Wong) e o amor de sua vida, a médica Christine Palmer (Rachel McAdams), que se casou com outro. A jornada do herói aqui é emocionante pois fala de seu trauma mais profundo, revela sua vulnerabilidade e solidão, seus erros de julgamento mas, essencialmente, sua vontade de acertar.
Há muito que confabular sobre o filme, mas aqui fica o elogio para os estúdios da Marvel que conseguiram trazer diversão e reflexão para o mesmo cenário, com estrelas que espelham essa profundidade e ao mesmo tempo nos entretêm e afastam das nossas próprias dores e traumas por algumas horas. O filme traz a união de universos infinitos, concluindo com esperança e novas personagens. Fica para outro post!
