A série Irma Vep está rapidamente ganhando um público que ama conteúdo cult. Estrelada por Alicia Vikander, a série da HBO Max é uma revisitação do filme de mesmo nome de 1996, por sua vez, uma homenagem ao clássico francês do cinema mudo, o filme Les Vampires, de 1915.


Fã da obra de Louis Feuillade, o diretor Olivier Assayas é o responsável por transformar seu próprio filme de 1996, que foi estrelado por Maggie Cheung, em série, mais especificamente, em 8 episódios. Para quem já trabalhou com produção original, os conflitos novelescos dos bastidores são tão precisos que é diversão pura.
A trama de Irma Vep gira em torno da estrela americana Mira, uma atriz famosa por trabalhar em filmes de grandes bilheterias, que busca de recuperar credibilidade e esquecer um recente escândalo pessoal. Por isso aceitou trabalhar em um filme pequeno na França, uma adaptação de minissérie de Les Vampires.
O filme de 1915 é sobre um jornalista que investiga uma gangue chamada “Os Vampiros”. Foi um sucesso incrível quando lançado durante a Primeira Guerra Mundial, e fez da atriz Musidora, um ícone fashion. Na série, Mira – que podemos argumentar ser inspirada em Kristen Stewart – lida com o caos de sua vida pessoal assim como das filmagens. No meio isso tudo, a série expõe as dificuldades de uma produção em tempos atuais.


Em uma cena, Mira explica a fascinação por Musidora e seu famosos macacão preto (que ganha uma versão atualizada). Para novas gerações, o nome, a maquiagem e a vida da estrela francesa era um mistério, mas que Irma Vep promete mudar.
Nascida como Jeanne Roques em Paris, em 1889, a artista adotou o pseudônimo de Musidora para trabalhar nos palcos. Atriz, diretora, escritora, produtora e jornalista francesa, ela contribuiu para imortalizar o arquétipo de mulher fatal, especialmente no filme Les Vampires. Leitora ávida, era filha de um compositor e uma crítica literária feminista, que a encorajavam a desenvolver um gosto pelas artes. Estreou nos palcos aos 16 anos, já com o nome artístico “emprestado” do romance Fortunio de Théophile Gautier (que sabemos ser libretista do balé Giselle).
Musidora rapidamente virou uma musa para o movimento surrealista, e se apresentava em comédias e pantomimas. Estrelou em uma das obras de Colette, Claudine à Paris e teve um romance com o marido da autora, Henri “Willy” Gauthier-Villars, antes de conhecer, ficar amiga e se tornar colaboradora da própria Colette.


Sua estréia no cinema (na época mudo), foi em 1913, em Les Misères de l’aiguille, um filme produzido pelo coletivo de cinema socialista Cinéma du Peuple. O sucesso a levou assinar um contrato de dois anos com o Gaumont Studios e, entre 1914 e 1916, estrelou várias comédias e dramas. Foi trabalhando no estúdio que conheceu e ficou amiga de Louis Feuillade, autor de sucessos do cinema francês.
O diretor a convidou para estrelar sua obra prima, Les Vampires, no qual a atriz deu vida a Irma Vep (anagrama de vampira em francês), uma cantora de cabaret que faz parte da sociedade secreta Les Vampires. “Os vampiros” era um grupo de delinquentes liderados pelo Grande Vampiro e tinha Irma Vep como sua parceira. Um jornalista e seu amigo se envolvem na tentativa de expor e parar os crimes do grupo. Assim como a série da HBO Max, o filme era dividido em 10 episódios que totalizam quase 7 horas de duração, por isso é considerado um dos filmes mais longos já feitos.

Les Vampires foi inspirada em uma história real, a da gangue criminosa conhecida como Gangue Bonnot, um grupo anarquista altamente oreganizado e que cometeu uma onda de crimes em Paris entre 1911 e 1912. No roteiro de Feuillade, havia apenas a premissa da cena e os atores criavam os detalhes.
Comparada a Theda Bara, Musidora causou sensação ao aparecer vestida da cabeça aos pés com um collant preto justo e usando uma máscara de carrasco, além de fazer suas próprias cenas de ação, uma vez que era acrobata também. Sua caracterização no papel fez dela a mais famosa vilã vamp do início do cinema francês. Os gestos, a maquiagem, a figura diferente e inesquecível de Musidora colaboraram para transformar a obra em cult. Aliás, foi a popularidade da atriz que impediu que o filme fosse banido dos cinemas, afinal a Polícia condenou a série por sua aparente glorificação do crime.
É vital ser fotogênica da cabeça aos pés. Depois disso, você tem permissão para exibir alguma medida de talento.
Musidora
Por amor, Musidora viveu um tempo na Espanha, onde trabalhou como roteirista, diretora, produtora e intérprete de três filmes , A Capitã Alegria, em 1920, Sol e Sombra, em 1922, e A Terra dos touros, em 1924. Quando voltou para França, em 1926, ainda estrelou Le berceau de dieu, com Léon Mathot, antes de abandonar o cinema para voltar para o teatro, em 1927, mesmo ano em que se casou com o médico Clément Marot. Escreveu livros, peças teatrais, canções, ensaios e poemas, mas abandonou os palcos em 1952.


Após a Segunda Guerra Mundial, trabalhou na Cinémathèque Française e ajudou a manter vários filmes dos anos do cinema mudo. Ocasionalmente trabalhava na bilheteria e apenas poucos clientes a reconheciam. Musidora morreu em Paris, em 7 de dezembro de 1957. Tinha 68 anos.
Agora, 65 anos após sua morte, a homenagem da série com Alicia Vikander revivendo seus passos, o nome dessa estrela volta a ser popularizado, assim como sua obra. Como merece.
