De toda sua respeitada filmografia, Vivien Leigh tinha um filme como o seu favorito. E concordo com ela pois é o meu: A Ponte de Waterloo. Lançado no ano seguinte de que estourou como Scarlett O’Hara, o clássico de menor porte é dramático, é lindo e perfeito. Um filme para chorar e rever mil vezes.


Inspirado em uma história real, o filme endereçava as angústias da época, com a 2ª Grande Guerra Mundial e incertezas sobre o futuro e incluía um tema tabu para época: o da prostituição. O escândalo maior foi ter uma dama como Vivien interpretando uma “mulher da vida”, mas voltemos uns passos atrás.
O americano Robert E. Sherwood, amigo de Dorothy Parker anos depois, serviu na Inglaterra durante a 1ª Guerra Mundial. Em 1930 escreveu uma peça sobre o que viveu na Europa. A Ponte de Waterloo se baseou em sua própria experiência de guerra de um encontro casual com uma corista americana em Londres, em novembro de 1918. Robert estava se recuperando de ferimentos em batalha, quando foi a Trafalgar Square para participar da celebração do armistício, conheceu uma jovem que compartilhou algumas circunstâncias que o autor passou para a personagem de Myra (Vivien Leigh). Essa jovem convidou Robert para seu apartamento, mas ele esqueceu seu endereço e nunca mais a encontrou. Anos depois, através de Roy (Robert Taylor) divagou sobre o que poderia ter sido, ao mesmo tempo que recontou tragédias de vítimas civis da guerra.

Na peça, e no filme, o Coronel Roy Cronin (Robert Taylor) faz uma parada na ponte Waterloo, em Londres, antes de ir para França e lutar na Segunda Guerra Mundial. Ele reflete sobre o passado e como, em 1914, conheceu a bailarina Myra Lester (Vivien Leigh) durante um ataque à cidade. No abrigo surge o namoro relâmpago de guerra assim como o pedido de casamento. Porém ao mesmo tempo em que ele é deslocado para frente antes de oficializar a união, Myra é demitida da companhia de balé por ter saído com Roy às escondidas. Sua amiga, Kitty, que a defende, também é demitida. Incapazes de encontrar trabalho em outra companhia, as duas passam fome e necessidade. Justamente quando ela deve conhecer a mãe aristocrática do noivo, Myra lê uma notícia sobre a morte de Roy no jornal e desmaia. Sem coragem de contar a verdade para a sogra, ajovem adoece, quase morrendo de tristeza. Para ajudar, Kitty se prostitui, mas as duas “resguardam” Myra. Porém, tocada pelo sacrifício de sua amiga e, sem vontade de viver, ela também se torna uma prostituta.



Um ano depois, Roy reaparece, encontrando Myra na estação de trem, sem descconfiar que ela estava ali buscando soldados. Retomando a relação onde a deixou, Roy a leva sua para casa na Escócia, com Myra tentando acreditar seu passado recente possa ser apagado. Ao perceber que seria impossível, confessa tudo para sua sogra e foge. Roy a segue, pronto para perdoá-la, mas se mata se jogando na frente de um caminhão na ponte Waterloo. E ele passa a vida triste com as consequências da Guerra na vida de boas pessoas.
A peça foi sucesso e virou filme em 1931, mas foi censurado nas principais cidades americanas por causa do tema tabu de prostituição. Sem muita exposição, a MGM comprou os direitos para refilmar apenas 9 anos depois. Mesmo com o avanço do tempo, muitos detalhes tentaram amenizar a história para não serem censurados. A nacionalidade dos protagonistas – americanos – mudou quando as estrelas Robert Taylor e Vivien Leigh, ingleses, foram contratados. Na peça e no filme, Roy não percebe como Myra ganha dinheiro. Para amenizar a escolha da mulher, que se prostituiu para superar a fome, a personagem só se vende quando perde as esperanças e quer morrer, depois que acredita que seu namorado. No filme original, Myra é acidentalmente morta depois que sua situação com Roy aparentemente foi resolvida, mas na na versão de 1940, ela comete suicídio quando seu conflito interior se torna insuperável.


O público ficou chocado de ver “Scarlett O’Hara” como uma prostituta, mas os críticos ficaram impressionados com a atuação e coragem de Vivien. Ela conhecia o autor, Robert, porque ele tinha trabalhando no roteiro de Rebecca, uma Mulher Inesquecível, filme estrelado por Laurence Olivier, que pleiteava o papel principal para sua noiva, Vivien. Joan de Fontaine ganhou o papel e Vivien (o produtor David O’Selzinick achou que a atriz era forte demais para o papel da tímida Sra. De Winter) também alimentou esperanças de que A Ponte de Waterloo pudesse colocá-la nas telas novamente com seu amado, mas Robert Taylor pegou o papel. O impecílio na época foi de agenda, Laurence Olivier estava gravando Orgulho e Preconceito com Greer Garson.
Aliás, Laurence e Vivien nunca conseguiram o filme americano que os reunisse. Tentaram O Morro dos Ventos Uivantes, Rebecca, A Ponte de Waterloo e Orgulho e Preconceito, mas, ou achavam ele inadequado ou ela. Concordo com a expectativa dele que Vivien teria sido perfeita como Cathy, Sra De Winter ou Elizabeth Bennett. Ainda bem que depois fizeram Lady Hamilton na Inglaterra.


Voltando à Ponte de Waterloo. Robert Taylor na época era uma das principais estrelas da MGM e apenas dois anos antes tinha trabalhado com Vivien quando gravaram A Yank at Oxford. Aos 29 anos, adorou interpretar Roy, que era um protagonista romântico complexo e maduro, oposto aos jovens impetuosos como o que interpretou ao lado de Greta Garbo em Camille, para citar um. Mas estava ciente que sua co-estrela, a essa altura maior que ele graças ao E O Vento Levou, estava frustrada porque ele estaria no lugar de Laurence Olivier. Para seu mérito, reverteu a situação. “Foi a primeira vez que eu realmente tive uma performance que atendeu aos padrões muitas vezes inatingíveis que eu sempre definia para mim”, disse Taylor mais tarde. Sobre Vivien? “Ela me fez parecer melhor”, confessou. Na verdade, assim como Robert, Vivien passou considerar A Ponte de Waterloo seu filme e trabalho favoritos. “MGM forneceu a Senhorita Leigh uma história e um papel que lhe permitem variar, empregar toda a graça e mobilidade que brotam em seu corpo frágil e toda a expressividade de seu rosto vital, escreveu o The New York Times. “[Vivien] Leigh molda o papel da menina com tão soberba compreensão, progride da inocente e frágil dançarina para uma vagabunda vazia e entorpecida com tal segurança de caracterização e cria uma pessoa de tão atraente naturalidade que a imagem ganha considerável substância como um resultado”, diz o artigo.
O filme tem várias cenas clássicas e perfeitas até hoje. O beijo na chuva ou na escuridão de um restaurante à luz de velas. É um dramalhão típico dos anos 1940s, mas uma história profunda, triste e perfeita.
Para o New York Times, o filme ganhou relevância por causa da atriz. “Que não haja dúvidas sobre isso: Vivien Leigh é uma boa atriz que temos na tela hoje. Talvez até a melhor, e isso é muito a dizer”, escreveu o New York Times no lançamento do filme.