
Depois de décadas como um dos maiores ídolos do Cinema, Charles Chaplin chegou à meia idade passando por rejeição do país que adotou como seu, os Estados Unidos. Ele era um “cidadão do mundo”, sem jamais abrir mão de seu passaporte britânico, mas essencialmente se fez como artista em Hollywood. Paradoxalmente, foi quando ganhou voz que passou a incomodar os conservadores americanos, embora toda sua obra – mesmo no cinema mudo – tenha sido crítica ao capitalismo, à ganância e à sociedade conservadora. O Grande Ditador, feito e lançado durante a 2ª Guerra Mundial foi aclamado, mas, passando o conflito, a Guerra Fria colocou o comediante em panela fervendo. Com uma vida pessoal que em retrospecto o coloca como pedófilo, e já na época era incômoda, foi sua política que o levou a um exílio na Europa e o distanciamento da Arte que ajudou a criar e popularizar: o cinema. Neste período conturbado de sua carreira, seus filmes falados não foram apreciados como os anteriores, embora hoje sejam adorados.


Monsieur Verdoux, uma comédia de crimes, como ele vendeu, usou um caso real de um serial killer para ser um veículo no qual Chaplin compartilhou sua visão sardônica da guerra, contribuindo para a percepção de um estrangeiro com visões anti-americanas. Embora em sua vida pessoal estivese no auge da felicidade, casado com Oona O’Neil, a nostalgia ganhou peso em sua carreira, o levando a revisitar o passado no que viria a ser seu último filme: Luzes da Ribalta. É onde Chaplin dá a sua brilhante visão da eterna lenda do palhaço e a colombina.
Se em todos os filmes há paralelos com sua vida, nesse ele foi direto à fonte, colocando sua família e amigos em cenas ou pontas, se inspirando abertamente em seu pai e sua mãe para as personagens principais. Escreveu um livro (jamais publicado), Footlight, e dele desenvolveu o roteiro para o longa centrado no universo de sua juventude, os music halls de Londres no início do século 20. Chaplin é o alcoolatra e decadente palhaço Calvero, um comediante cuja conexão com o público foi ultrapassada e hoje vive nos ostracismo. Ele socorre sua vizinha, uma jovem bailarina, Terry (Claire Bloom) cuja saúde mental frágil a fez perder os movimentos das pernas, a impedindo de dançar e despertando sentimentos suicidas. A improvável parceria dos dois é o coração do filme: ele, mais velho, ama a vida. Ela, jovem, quer morrer. Juntos se salvam, mas a vida – claro – trará mais obstáculos.
Calvero é inspirado no pai do ator/diretor, assim como em amigos e mentores que o ajudaram a virar um artista e Terry é uma mescla de sua mãe, Hannah, e seu primeiro amor, Hetty Kelly, interpretada por uma jovem Claire Bloom, já fazendo sucesso nos palcos londrinos mas ainda desconhecida do mundo do cinema.


Nas cenas de dança, Claire foi substituída por Melissa Hayden, do New York City Ballet. A música – composta por Chaplin – foi um outro desafio para ele. É que a sequência do ballet final precisava de 25 minutos e ele jamais tinha – até então – composto algo tão intricado. Melissa e seu partner, André Eglevsky deram tranquilidade ao diretor quando garantiram que a música era adequada para coreografia, incluindo clássico tema valsado que viria a ganhar um Oscar honorário vinte anos depois do lançamento. Além disso, em uma longa sequência que homenageia o cinema mudo, temos Charles Chaplin e Buster Keaton pela primeira (e última vez compartilhando a tela). Um show de humor e inteligência de ambos.
Já sabendo que Luzes da Ribalta seria “seu último filme”, vemos um astro em sua maturidade, tristeza e esperança ao mesmo tempo. Aos 63 anos e atrás da máscara de Calvero, Chaplin nos rendeu uma poderosa interpretação dramática. E como mesmo nos diz, o tempo não muda as coisas, mas ainda assim é preciso seguir em frente. Sempre.