Como publicado em CLAUDIA
Há poucas semanas ressaltei a difícil trajetória prevista para Rainha Emma da Normandia na série Vikings: Valhalla, da Netflix. Emma passa a segunda temporada em um jogo de xadrez psicológico com seu principal antagonista, Earl Godwin, cuja história verdadeira a fará passar por dores inimagináveis, como mãe e mulher. Se você teve a chance de ler a coluna, sabe que Emma não apenas terá que literalmente andar sobre o fogo para provar sua virtude, como verá seus filhos serem torturados, mortos e manipulados por seu inimigo. O método já foi aludido em algumas cenas arrepiantes nessa temporada. Mas Emma, mesmo com destaque, é coadjuvante na série. A protagonista feminina de Vikings: Valhalla é Freydís Eriksdotter, interpretada pela ex-modelo sueca Frida Gustavsson.


Desde a primeira temporada que Freydís, uma guerreira e mulher empoderada, praticamente tem sua trajetória acontecendo à parte dos heróis masculinos, uma armadilha de roteiro que nem sempre funciona, mas já falaremos sobre isso. A escudeira viking é temida no campo de batalha e amorosa fora dele. Com horror ao catolicismo depois de ter sofrido violência sexual ainda pequena por um pseudo viking cristão, Freydís quer manter viva cultura dos deuses pagãos, ao mesmo tempo que buscar vingança pelo estupro. Consegue as duas coisas. Mas, na 2ª temporada encontramos uma Freydís menos sedenta de sangue e imediatamente descobrimos a razão: está grávida. Obviamente ela não quer o filho criado com outra religião (o pai é o herdeiro do trono norueguês, Harald (Leo Sutter), um viking convertido), portanto despacha o príncipe sem contar a verdade e vai em busca de um lugar seguro para criar seu filho sozinha.
No papel, é uma boa história, mas nas telas, não impacta. A Freydís da série é bem diferente do relato histórico da “verdadeira” mulher viking, descrita como gananciosa, traiçoeira e vingativa. Teria matado inocentes (incluindo mulheres) e a única semelhança foi vê-la lutando com a gravidez avançada (a verdadeira Freydís enfrentou inimigos com uma barriga de oito meses de gestação). Mas nada realmente acontece, Freydís é vista pelos fãs como o elo fraco da série. Uma pena porque a escudeira Lagertha, interpretada por Katheryn Winnick é icônica. Infelizmente, Freydís é mais um espelho do que vimos com a Galadriel de Anéis do Poder, não nos engaja e quase que nos irrita. E o que a deixa mais exposta é justamente o roteiro que a coloca em uma trama praticamente paralela na série, muitas vezes a menos interessante de todas, numa visão simplista e quase infantil.



O que nos faz concluir que a sombra de Lagertha tem sido grande para ela, assim como foi para personagens fora do universo de Vikings. Na época em que Vikings e Game of Thrones eram exibidas paralelamente, havia quem a preferisse à Daenerys Targaryen, uma líder que os fãs da escudeira descreviam como uma mulher que não sabia empunhar uma espada e que apenas quando teve três dragões – desequilibrando as chances de batalha com uma vantagem inalcançável para seus oponentes – foi para luta. Como fã das duas séries, não concordo, claro. Mas mesmo antes dessa comparação já tinha visto como a dualidade feminina não é captada por roteiristas homens. Na época que a trilogia do Senhor dos Anéis estava nos cinemas, um amigo de redação se queixou comigo do amor da vida de Aragorn, a elfa Arwen, “que ficava lá parada enquanto ele tinha uma mulher muito mais interessante em Ewoyn, a princesa guerreira”. Eu apreciava a força espiritual e psicológica de Arwen para ajudar Aragorn, mesmo achando Ewoyn incrível. Ou seja, décadas depois ainda estamos em busca da heroína moderna perfeita. Lagertha foi a que chegou mais perto. “Ela foi realmente formidável e não acredito que jamais consiga superá-la. Me sinto abençoada por ter feito parte de uma série que teve tanto impacto para as mulheres ao redor do mundo”, a atriz Katheryn Winnick concordou em sua entrevista à CLAUDIA.
Em defesa de Freydís, a escolha da narrativa de Vikings: Valhalla expõe a ela e aos outros quase que com três histórias paralelas sem conexão, algo que Vikings evitava. Temos Canute, o primeiro rei viking da Inglaterra estabelecendo sua dinastia em terreno britânico, mas como ele esteve super ausente nas duas temporadas até o momento, Emma e Godwin nos dão a versão de Game of Thrones na luta pela Coroa. Temos um príncipe “estepe” em Harald Sigurdsson (Leo Sutter), que quer o trono norueguês e está literalmente rodando o mundo por esse sonho, acompanhado pelo irmão de Freydís, Leif Eriksson (Sam Corlett). E temos Freydís com sua saga religiosa quase fanática. Para deixa-la ainda mais perigando no desinteresse, a segunda temporada nos apresenta cinco novas mulheres interessantes que tiveram que superar o machismo, a violência de seu tempo e aprenderam a lutar e se defender. A princesa Elena (Sofya Lebedeva) acaba nos encantando muito mais do que Freydís, não é à toa que Harald concorda com a gente.


Como teremos uma terceira temporada, ainda torço que os ajustes sejam feitos para garantir uma vida mais longa aos Vikings. E que tenhamos mais Lagerthas nas telas!