Há 50 anos, Norman Jewison já era um respeitado diretor em Hollywood, tendo grandes sucessos como Crown, o Magnífico (The Thomas Crown Affair) e o musical Um Violinista no Telhado (Fiddler on the Roof) quando decidiu filmar Jesus Christ Superstar. Como muitos biógrafos gostam de ressaltar, na vasta e rica filmografia do diretor, o tema de traição sempre foi um elemento importante e com isso, contar uma história arquetípica da traição na cultura ocidental, era irresistível.

Ainda assim, sair de um grande sucesso da Broadway para uma grande controvérsia, foi uma decisão corajosa. Em 1971, Violinista no Telhado foi uma das grandes bilheterias do ano e o vencedor do Oscar de Melhor Filme portanto, repetir o gênero (outro musical), era um grande risco de comparação. Mas Norman conseguiu se superar e nos entregou a primeira ópera rock filmada e alcançou mais uma indicação de Melhor Filme, em 1973 (perdeu para O Poderoso Chefão).
Como já lembrei na minha coluna de CLAUDIA (repostada aqui em Miscelana), o musical de Andrew Lloyd Weber e Tim Rice, surgiu como um álbum conceitual em 1970 antes de sacudir os palcos no ano seguinte. Os dois se inspiraram em abordar a história de Jesus Cristo pela ótica de Judas Iscariotes, seguindo uma canção de Bob Dylan, With God on Our Side,que tinha uma frase forte, questionando como analisamos a história: “Jesus Cristo foi traído por um beijo, mas não posso pensar por você, Você tem que decidir se Judas Iscariotes estava com Deus ao seu lado ou não”
Enquanto Violinista é um filme sobre a cultura judaica, Jesus Christ Superstar conseguia desagradar todas religiões ao mesmo tempo e Norman não se intimidou. Mais ainda, decidiu tirar a obra do estúdio e teatro, levando a ação para Israel e nos locais onde aconteceram. Uma dor de cabeça, mas quem ganhou foi o cinema. As filmagens cobriram mais de 20 locais, com bases em Jerusalém, Mar Morto, Beersheba e Nazaré, focando mais nas ruínas do palácio de Herodes, o Herodium, mas passando também pela Cisjordânia, ocupada por Israel.

Outra inovação do diretor, modernizando os musicais, foi a de trazer a metalinguagem para a narrativa: o filme acompanha uma trupe de artistas hippies encenando os últimos dias da vida de Jesus, num clima underground e roqueiro, para o qual preferiu escalar desconhecidos para os papéis principais.
Ted Neeley, que interpreta Jesus, era um roqueiro do Texas, que estava no elenco de Hair, mas era baixo e bem diferente da imagem usual de Cristo, mas Norman o escolheu sem ao menos ouvi-lo cantar porque viu nele era a vulnerabilidade essencial para o papel, descartando uma lista de astros famosos, de Mick Jagger (Rolling Stones), John Lennon ou Paul McCartney (Beatles), Barry Gibb (Bee Gees), Ian Gillan (vocalista do Deep Purple e o Jesus do album conceitual original)à Robert Plant (Led Zepellin).
Mas a escolha mais chocante na época foi a de Carl Anderson para fazer Judas, o protagonista. Norman resistiu às pressões e críticas de escalar um ator negro alegando que Carl se saiu melhor do que os outros que testaram para Judas. “O teste foi tão bem-sucedido que realmente não havia nenhuma dúvida em minha mente de que ele era o ator mais talentoso para interpretar o papel,” disse na época. Também não foi bem visto ter uma desconhecida japonesa-irlandesa como Maria Madalena, mesmo tendo sido ela a ter cantado no álbum original, Yvonne Elliman. Ou seja, meio século depois vemos um elenco inclusivo e atual, mas na época, causou estranhamento.
O musical nasceu da canção escrita por Tim e Andrew, Superstar, no qual algumas perguntas perspicazes – na voz de Judas – questionam motivações e fatos da história de Jesus e já apontavam para a crítica da cultura da celebridade, ressaltado no filme quando Norman coloca Maria Madalena como um tipo de groupie. Outra decisão inovadora para a época foi a de manter o filme cantado o tempo todo, sem nenhum diálogo adicionado para “ajudar”. Se não bastasse, ele demandou dos artistas que cantassem ao vivo e não se apoiassem em dublagens. Ouvimos ainda hoje os trechos alternados e emocionantes deles dando tudo de si e é incrível.


Os ângulos de gravação apresentados em Jesus Christ Superstar são tão inovadores que mais de 10 anos depois influenciaram os clipes que viriam a ser ferramentas essenciais dos artistas a partir dos anos 1980s, com o surgimento da MTV. Em especial a cena da canção Gethsemane, rodada nos penhascos do Siluad Wadi, uma área inacessível aos carros e que demandou que todos equipamentos fossem levados por burros. Nela, a câmera gira em torno de um Jesus Cristo chorando no topo da montanha, uma imagem muito comum em videoclipes até hoje.
O elenco relembrou todo processo de gravação com muita emoção, mesmo sem serem necessariamente religiosos. Saber que estavam no local onde tudo aconteceu criou uma conexão especial para eles, que se vê no filme final. Sabendo que a obra era considerada blasfêmia e incômoda, Norman optou para um final misterioso.
Na cena final, quando o elenco termina a gravação e embarca novamente no ônibus para ir embora, estão tristes (quando chegam estão empolgados) com Carl Anderson sendo o último a embarcar (tinha sido o primeiro a descer), mas Ted Neeley não está mais com eles. Depois de duas horas de música ininterrupta, Jesus Christ Superstar termina a imagem de uma cruz vazia ao pôr do sol e os créditos rolando em silêncio. Para muitos é uma sugestão de um toque espiritual para a obra, mas o que podemos confirmar, 50 anos depois, que permanece genial.