Piotr Ilyich Tchaikovsky é obviamente um dos meus compositores clássicos favoritos, um dos russos mais famosos no ocidente e autor de algumas das melodias mais tristes e belas já escritas. Em 6 de novembro de 1893, há 130 anos, ele falecia em Moscou, uma morte controversa que até hoje é sugerida como suicídio, oficialmente acidental, embora há outra corrente forte que ele tenha sido induzido a se matar. Seja como for, após encerrar sua composição final, a Sexta Sinfonia (Pathétique), dizem que ele bebeu um copo de água sem ser fervida, contraindo cólera. Seria isso ou veneno? Como ele teria chegado à isso?
A vida pessoal de Tchaikovsky, que ele lutou para manter privada, ficou notoriamente registrada como conturbada. Sua sexualidade era vista como um problema em uma Rússia ainda hoje repressora, por isso sua sensibilidade transparente em suas melodias, as várias tentativas de encerrar sua vida, um casamento impulsivo e complicado, um relacionamento dramático e platônico com sua patrona são alguns dos elementos que contribuíram para uma imagem de um autor complexo, em constante conflito. Historiadores atuais questionam a narrativa de mais de um século, alegando que ela foi exagerada ou mal interpretada.

Nascido de uma família tradicionalmente militar em 7 de maio de 1840, Tchaikovsky recebeu educação musical desde os 5 anos, mas era esperado que seguisse a carreira de funcionário público quando crescesse (algo que fez, se formando em Direito e trabalhando como advogado por alguns anos) e sempre foi muito ligado à sua irmã, Alexandra, e os irmãos gêmeos Anatoly e Modest. Sua conexão com Alexandra era tão grande que ele era completamente apegado aos sobrinhos, em especial, Vladimir Davydov, o ‘Bob’, que era seu confidente no final de sua vida.
Filho de mãe de origem francesa e alemã, o que mais tarde seria apontado como “menos russo” no seu trabalho, o compositor sempre manteve interesse por música, por isso quando foi possível, ingressou no Conservatório de São Petersburgo, onde recebeu ensino formal de composição. No conservatório participou do movimento nacionalista liderado pelos compositores russos do grupo conhecido como ‘Os Cinco’e se formou em 1865, abandonando o Direito completamente. Sua música, na Rússia, era considerada muito ‘ocidental’ (e no resto do mundo, essencialmente ‘russa’) porque os princípios que rege a melodia, a harmonia e outros fundamentos eram diferentes. Ainda assim, fez sucesso rapidamente.
Especialistas apontam a Overture 1812, escrita em 1880, como sua peça mais importante. Para mim, naturalmente, são seus balés, mas em especial, O Lago dos Cisnes, de 1877. A Overture 1812 tem a inegável veia nacionalista de ser inspirada na vitória da Rússia sobre Napoleão no ano de 1812, que termina com a icônica celebração de tiros de canhão, mas a melancólica melodia dos cisnes é superior para mim.


Além de óperas, e os três balés definitivos, Tchaikovsky compôs seis sinfonias, um Concerto para Violino e dois Concertos para Piano, sendo que seu primeiro Concerto para piano é um dos mais famosos e amados já compostos. Podemos dizer que Tchaikovsky sempre foi, mesmo sem intenção, pop. No ano em que completam 130 anos de sua morte, também registra o ano de sua última composição, a Sexta Sinfonia (‘Pathétique’) que dedicou ao seu sobrinho Vladimir Davydov.
Estruturada em apenas 6 dias, a triste sinfonia emocionou o próprio autor que escreveu ter chorado copiosamente enquanto trabalhava nela, mesmo também tendo registrado suas dúvidas de conseguir compô-la. Ao terminar, estava eufórico. “Você não pode imaginar como me sinto feliz na convicção de que meu tempo ainda não passou e trabalhar ainda é possível”, escreveu para Bob. O próprio Tchaikovsky regeu a estreia, em 28 de outubro de 1893 e a a considerava seu melhor trabalho, que chamava “a mais sincera de todas as minhas criações”. Por conta desse orgulho e felicidade que muitos alegam que sua morte repentina, apenas nove dias depois, tenha sido acidental. Outros sustentam que a sinfonia é sua carta de adeus, em especial porque embora os três primeiros movimentos tenham expressão otimista, a quarta e última parte soe mais soturna e trágica, terminando de repente, quando a música simplesmente desaparece como se fosse a morte.
A corrente que defende que o período no qual Tchaikovsky escreveu a música era de profunda depressão, com receio de que seu romance com um jovem nobre estivesse para ser exposto e assim destruísse sua reputação (lembrando da repressão da sociedade russa) é a mais forte atualmente e surgiu em 1981. Segundo a historiadora Alexandra Anatolyevna Orlova, a versão da ‘cólera’ como causa da morte é para acobertar que ele teria tomado veneno após ser “condenado” em um julgamento secreto, conduzido por seus próprios colegas da Escola Imperial Faculdade de Direito, depois que um romance seu com um filho de um nobre tivesse sido denunciado. O “tribunal de honra” teria sentenciado o compositor, em 31 de outubro de 1893, a tirar a própria vida por envenenamento. Para surpresa de muitos, ele teria acatado a ordem.

Segundo a pesquisa da autora, Tchaikovsky, aos 53 anos e no auge do sucesso, estava positivo e feliz, mesmo que já estivesse acostumado a viver cauteloso sobre sua vida afetiva que temia ser exposta. Porém o tio de um amante, o duque Stenbock-Thurmor, teria escrito para o Czar Alexander III acusando o compositor de ter “corrompido seu sobrinho”, o induzindo a “se envolver em um caso de amor homoafetivo”. O conteúdo da carta foi revelado a Nikolai Borisovich Yakobi, promotor-chefe do Senado russo e colega de faculdade de Direito do músico, uma vez que era uma reclamação oficial.
Yakobi tomou uma decisão diferente. Invés de entregá-la ao czar, convocou um tribunal de honra de oito homens para encontrar a “solução para o problema”. Em 31 de outubro, Tchaikovsky foi chamado à casa de Yakobi, onde em cinco horas de uma reunião acalorada, teria sido confrontado sobre sua vida dupla. No final do encontro, teria saído correndo da casa, transtornado. O fato só ficou conhecido porque foi relatado anos depois pela viúva de Yakobi, que testemunhou a visita e soube pelo marido o que conversaram. Segundo ela, houve um “julgamento” e alternativa encontrada foi que ele tirasse sua própria vida para salvar a reputação do Império Russo, mas de forma que ninguém desconfiasse, tomando arsênico.
Como depois de ter apresentado os primeiros sintomas da suposta cólera ele demorou a aceitar atendimento médico, muitos apontam essa decisão como prova da tese de suicídio, mesmo que sempre tenha sido alegado ele bebeu água não fervida por ‘acidente’. Alexandra sustenta que não houve quarentena para os parentes ou na casa de Tchaikovsky, como demanda o procedimento normal de quem tem cólera, tanto que ele morreu na presença de 16 pessoas: quatro médicos, seus irmãos, irmãs e sobrinhos, criados, enfermeiras e um padre. O enterro também foi público, sem isolar o caixão ainda infectado.
O segredo em torno da morte de Tchaikovsky foi mantido para que sua memória fosse preservada e não chega a uma conclusão nem mesmo 130 anos depois e o relato do “julgamento” só veio à tona muitos anos depois, com testemunhos indiretos e nenhuma documentação oficial para confirmar.
Segundo consta, o czar Alexandre III teria lamentado a morte de Tchaikovsky dizendo sabiamente que “há tantos homens na Rússia, mas Tchaikovsky, é um só!”. Apenas 3 semanas depois, a Sexta Sinfonia foi executada novamente, agora intitulada ‘Pathétique’ a pedido do irmão mais novo do músico, Modest. Uma trilha sonora para uma despedida sombria, misteriosa e sentida até hoje.
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