Alguém me passa o contato da Tish?

Para uma pessoa cética, Rebecca Welton (Hannah Waddingham) está dedicada a acreditar em todas as palavradas da vidente Tish, que no início da temporada desenhou seu destino.  “Eu posso ver algo. Está na sua mão. Um objeto. É muito especial. É uma caixa de fósforos verde. Uma caixa de fósforos verde, que lindo. Agora posso ouvir algo. MERDA. Merda – não, apenas um de cada vez, por favor. Merda em armadura knining. Cale-se. Eu posso ouvir alguma coisa. É um trovão! E relâmpago! E você! E você está de cabeça para baixo e encharcada – mas está segura. Você terá uma família. Você vai ser mãe”.

Todas as previsões se confirmaram palavra por palavra e no entanto Rebecca não retornou para concluir a sessão paga e a qual deixou abruptamente, agredindo a vidente. Já ganhou a caixa de fósforo verde de Sam, ouviu que o ex-namorado é o “cavaleiro salvador”, caiu no canal de Amsterdam, ficou encharcada, de cabeça pra baixo e segura… só não sabemos ainda se ouviu trovões e relâmpagos e se será mãe biológica ou adotiva. Trolados como se tudo fosse em referência à Ted Lasso (Jason Sudeikis), até o momento a descoberta de fé de Rebecca – ao som do clássico Three Little Birds (Every Little Thing’s Gonna Be All Right), de Bob Marley – a leva cada vez mais longe do técnico, que está solitário e vulnerável, mas ignorado por quem o cerca. Não, o destino de Rebecca é tão claro que mesmo as inúmeras derrotas e humilhações do AFC Richmond são levadas na boa por ela. Mais uma vez, a mulher não tem nenhuma influência no comando dos negócios, o que importa é achar um novo marido. Que pena, Ted Lasso!

Pois é, com vasto conhecimento de videntes, ainda não vi uma tão precisa e confusa como Tish, mas ela vale a consulta. Nos dando todos os spoilers da temporada que cercam uma das personagens mais importantes da trama, também simplificamos sua trajetória. Ted Lasso, eu sinto, está com uma barriguinha cada vez mais proeminente, precisando amarrar as pontas urgentemente. Se não vamos ter #tedbecca, não é relevante, mas perder a profundidade que estavam nas histórias de aparência simples é incômodo. O episódio passado em Amsterdam foi um dos mais fracos de uma temporada fraca, justamente a da despedida! Mas não é de todo jogado fora. Vejamos mesmo fora da ordem.

Trent Crimm (James Lance) se redimiu de todas críticas e furos que ressaltavam os problemas do AFC Richmond ao guardar para si o segredo de Colin (Billy Harris). O que não significa que deixe de confrontá-lo, o seguindo até o bar gay e assumindo sua própria história como apoio para que o jogador abra seu coração. A conversa dos dois, embora curta, é um dos momentos mais singelos do episódio, onde refletem sobre levar uma vida dupla para lidar com o preconceito. Colin sabe que terá que unir suas realidades, mas não quer um papel de porta-voz ou ter que explicar para o mundo qualquer coisa. Quer a simplicidade da aceitação, que não virá. Trent certamente terá um papel importante nesse momento.

Keeley (Juno Temple) está abertamente curtindo seu romance com Jack (Jodi Balfour), o que a tira de cena rapidamente. Há um paradoxo em Keeley que é parecido com Rebecca. Em vez de seguir mostrando como as mulheres têm expectativas diferentes, como passam pela síndrome de impostora como consequência do machismo ainda reinante – em especial no universo do futebol – Ted Lasso optou em colocá-las mais preocupadas com seus romances do que carreiras. As duas coisas estão interligadas e o fato de que nem apoiando e amando Keeley, Roy Kent (Brett Goldstein) conseguiu estar com ela, é muito mais interessante do que a viver uma relação homoafetiva e ele ficar no bromance com Jaime  (Phil Dunster), outro ex de Keeley. A essa altura, não vale mais torcer pela reconciliação do casal, algo original, claro, mas que deixa Keeley na superfície e sem relevância no time.

Falando em Roy e Jamie, o arco desses dois fechou de forma satisfatória: dois homens broncos que mudam de comportamento, superam traumas e dão mais uma vez esperança para a verdadeira amizade masculina. De novo, esperava mais de Ted Lasso

Higgins (Jeremy Swift) abraça o jovem Will (Charlie Hiscock) em uma jornada que tem toda cara de duplicidade (uma noite no Bairro da Luz Vermelha em Amsterdam), mas é uma viagem cultural para os aficcionados de jazz, com o clássico de Chet Baker, Let’s Get Lost, também completando a mensagem das personagens que precisavam se soltar. Will não tem nenhuma semente de ressentimento ou recalque de Nate (Nick Mohammed), outro que ninguém sente falta (fora do campo). Assim como Beard (Brendan Hunt), que fala holandês e que sabe curtir a noite, é uma aventura que não nos faz diferença. Outra coisa que não faz mais diferença é o time querer fazer tudo e qualquer decisão em conjunto. Não saem do lugar e nem são mais engraçados por isso.

Enquanto isso, Ted – finalmente – faz o que é esperado dele: pensa em estratégia de jogo e passa a trabalhar no que o time tem que fazer para não ser rebaixado uma segunda vez. Calma! Ele não fica brilhante de uma hora para outra, ainda é completamente despreocupado com o esporte que o sustenta e para o qual deve ter respeito. Levando perdido de Rebecca, que ao perder o telefone nem pode respondê-lo, Ted segue se questionando sobre presente e futuro. A saudade de casa, do filho e de se sentir culturalmente abraçado pesam em suas dúvidas e é em um bar americano que ele se reconecta. Olhando o jogo de basquete do Chicago Bulls, acha que “reinventa” o futebol, mas na verdade entende a estratégia icônica do futebol holandês dos anos 1970s, criada por Johan Cruyff. Não importa, funciona e será testada.

Ted está estranhando que Rebecca não o cobre mais, que nem o responda! A dona do time está mais preocupada com seu próprio coração e a noite mágica que passou com um desconhecido. Um derrape incrível, volto a dizer. Mas, como sempre, acredito em Ted Lasso, ainda mais quando ele se despede nos tranquilizando de que “tudo vai ficar bem”.

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