No longo episódio da semana de Ted Lasso, finalmente, a série focou no futebol. Okay, deixe-me refrasear: “finalmente” passou mais tempo em campo, mas o que moveu a história continua nos bastidores.

Com um único gol em semanas, mais uma derrota e ameaça de rebaixamento, Ted (Jason Sudeikis) surpreendentemente mantém o total e irrestrito apoio de sua chefe, Rebecca (Hannah Waddingham), de seu principal crítico, Trent Crimm (James Lance), de seu time e de seus torcedores. Todos confiam no “Ted Lasso Way“, que é fazer todo mundo se sentir bem, mesmo sendo perdedores.

Pra um americano, enaltecer os derrotados é curioso, e agora que penso nisso, é quase ofensivo usar justamente o futebol para inverter valores, mas vamos aceitar porque sabemos que uma derrota ou um empate ainda pode ser um grande jogo. Mas não é sobre isso que quero falar. No sétimo episódio da – supostamente – última temporada, vimos finalmente Ted trabalhar. Pegando emprestado a tática do ‘futebol total’ de Johan Cruyff, o AFC Richmond provou que tem muito mais dificuldade de se adaptar dentro e fora de campo do que poderíamos imaginar de um time da 1ª divisão. E a série, que tem focado no coração das personagens, usa a estratégia na vida pessoal de todos. Vamos rever.

Como Ted Lasso é uma série americana, precisa ser didática para um público que não nasceu respirando futebol. Portanto literalmente teve que desenhar o que todo menino sabe desde que pega na bola (ou qualquer fã do esporte), que é o estilo “inventado” por Cruyff nos anos 1970s, o “futebol total”. A tática impressionou o mundo na Copa de 74 (com a lendária Laranja Mecânica) e que fez do Barcelona o time que ainda é no século 21. Na verdade, o que Ted não menciona, é que o próprio holandês se inspirou no estilo de jogo imaginado pelos ingleses, avançado pelos húngaros e traduzido pelos holandeses.

O conceito do ‘futebol total’ nasceu nos anos 1930s, com Herbert Chapman, um técnico lendário, cinco vezes campeão da Premier League que usou o estilo no Arsenal e ganhou o campeonato. Aliás, Chapman é creditado como um dos grandes responsáveis pela modernização do futebol, desde inventar esquemas táticos inovadores, melhorias e práticas de treinamento, também foi ele que introduziu a utilização de refletores de iluminação para que o jogo pudesse ser visto e praticado mesmo à noite, a numeração dos uniformes e a criação de competições internacionais de clubes. Mas seguindo, na década seguinte, o argentino Carlos Peucelle usou um modelo parecido no jogo do River Plate e já nos anos 1950, a seleção da Hungria quase levou a Copa de 54 sob o comando de Gustav Sebes – que chamou a tática de “mágico magiares” – e, finalmente, o mentor de Cruyff, o general de ferro Rinus Michels, que deu sequência à filosofia e inspirou Cruyff. É Ted, não foi do molho de churrasco que saiu o obvio não.

E mesmo para quem não joga, faz sentido. A idéia é a de “defender atacando”, mantendo a posse da bola, dominando a movimentação, trocando posições e assim aproveitando todo campo de jogo. Controle é a senha, e aí está o desafio AFC Richmond, com um time de simpáticos e disfuncionais jogadores. A diferença aqui é que Ted não é confrontador nem dentro nem fora de campo, mas Cruyff era obcecado pela vitória e por isso acreditava na ofensiva. Como a série mostrou, Cruyff criou um modelo baseado em triângulos usando cada jogador para formar a figura geométrica (não importa a posição deles). Nesse desenho, cada um teria sempre duas opções de passe e de marcação (‘formação diamante’). Embora pareça fácil, como aconteceu em Ted Lasso, levou um tempinho para emplacar, mas logo os jogadores sacaram que seguindo o modelo, tinham como decidir decidir quando se aproximar do companheiro ou não.

Sabe outra estratégia que Ted não cita, mas que veio da mente de Cruyff? “O Falso 9 do Nate”, ele diria. Isso mesmo, o Falso 9 que Nate (Nick Mohammed) treinou e conseguiu as vitórias para o time nas temporadas anteriores começou com o holandês no Barcelona (Romário fez muitos e lindos gols com essa jogada) e foi solidificado por Pep Guardiola com Lionel Messi, anos mais tarde.

Como vimos no episódio mais futebolístico da série, em termos de defesa, o time fica em maior risco e com a chance de sofrer gols do adversário, mas o contra ficava em uma máxima clara de Cruyff, o jogo é ganho quando se faz um gol a mais que o rival.

Como sempre, o futebol é a metáfora do que todos estão vivendo e interfere no campo. Estar próximo, mas com distância, inverter posições, buscar união e alcançar a vitória. Por razões de narrativa, leveza e humor, o AFC Richmond encontrou muita dificuldade de absorver o conceito básico, mas Ted tem esperança, assim como nós. Ele listou 4 fases, explicou 3 delas e faz mistério da 4ª. Cruyff dizia que eram apenas duas: posse de bola e passe precisos. Como Trent percebeu, vai dar certo. Até porque, como sempre, acreditamos em Ted Lasso.