Olha, para leitores que não sejam mulheres, a afirmação em seguida pode cair no vazio, mas não deixa de ser verdade. As mulheres seguem um mistério na ficção, ou, pelo menos, para roteiristas homens. Ted Lasso e Succession conseguiram pegar mulheres inteligentes, reais e inspiradoras em coadjuvantes perdidas e distraídas com suas vidas amorosas em meio ao caos profissional. Shhiv Roy (Sarah Snook) é o exemplo perfeito de uma vítima do machismo no mundo corporativo, nem seus irmãos que a amam e a apóiam sequer lembram dela para grandes decisões. Kendall (Jeremy Strong) chegando na reunião, começando a conversa e tomando o lugar dela sem cerimônia – mesmo com o celular dela ‘marcando’ sua posição – é brilhante. É um segundo onde os roteiristas vão na jugular do drama da personagem, que é excluída inconscientemente e deliberadamente – sem precisar de uma palavra. Mas derrapam mais à frente.
Não é surpresa que sem o pai deles vivos, os Roy estejam batendo cabeça. Logan (Brian Cox) os destruiu por dentro e por fora e a força deles juntos estava em combatê-lo. Derrotar uma memória e um legado é bem mais complicado para pessoas quebradas psicologicamente. Dito isso, nem Kendall ou Roman (Kieran Culkin) são “vilões” em relação à Shiv, ou vice-versa. Eles duvidam de si mesmos e um do outro, com o fantasma da voz do pai deles os chamando de “idiotas”. Surpreendentemente, apenas Kendall pega a afirmação como motivação de superação, talvez por ter passado os últimos anos de sua vida tentando se colocar na vida e nos negócios. Shiv e Roman, especialmente Roman, querem “fazer o que o papai faria”. Claro que dá desafino.

Depois de dois episódios mostrando Shiv agindo nos bastidores e parecendo estar passando a perna nos irmãos, vimos que sim, ela não confia nos dois, que sim, acha que Kendall quer mandar sozinho e vai implodir e não, não quer ser “a pessoa de dentro” para Matsson. Suas motivações disfarçam o que ela poderia estar querendo – o controle de tudo sozinha – porque ela não entende até hoje como seu pai perdeu a confiança nela para ser a CEO da Waystar Royco. Como Iago, ela facilmente aperta os botões em Roman para minar sua parceria com o irmão, mas as consequências podem ser piores mais à frente.
Logan queria vender a companhia porque a vê pesada e incapaz de se superar em tempos digitais. Assim convenceu a todos, mas os filhos, acostumados às mudanças dele de última hora, discordam. Eles vêem a venda como mais uma tentativa de serem punidos e agora que estão no controle, querem provar que tinham capacidade. A divergência dos três não é (apenas) quem manda, mas o que a empresa significa. Shiv quer vendê-la, deixar a sombra do pai para trás e começar com outra, nos parâmetros dela. Roman quer manter a Waystar Royco como se ela fosse o espírito do pai, vendê-la será matá-lo uma segunda vez. Kendall quer mantê-la porque foi criado para liderá-la e sem Logan, finalmente pode realizar seu destino.

Voltando um pouco atrás, Kendall e Roman estão na mesma página, embora o texto seja divergente. Todos falam de Kendall ter um colapso, mas é Roman que está em pedaços. Sob pressão, finalmente, os dois revelam que não querem mais vender a companhia para Lukas, e Shiv só sabia a versão do sueco sobre o impasse, ficando insegura de quem apoiar. Ela ainda acha que tem uma conexão com Lukas, mesmo ele claramente a usando como informante (como fez com Roman, com Kendall antes dela). Pelo menos à três ela coloca na mesa que quer o combinado original, os irmãos adaptaram o plano. Não entram em acordo porque quando finalmente ela tem os dois à sua disposição e falando, ela se levanta para uma reunião misteriosa que nada mais é do que encontrar uma sala para chorar.
Okay, essa situação é brilhante. Shiv precisa esconder sua vulnerabilidade, escondida como luto, para poder se colocar. Aí entra Tom (Matthew Macfadyen), o stalker, o manipulador que com um jogo de fala mansa e atitude mais agressiva ‘seduz’ Shiv. Shiv e Tom, Lukas e Shiv. Espelhos do que era Shiv e Logan. Shiv só sabe se relacionar com abusadores psicológicos. Seu pai acertou que escolheu Tom pela fraqueza (mesmo que aparente) e o usava para se enganar de ter poder. Depois que ele percebeu que poderia rodar, Tom escolheu traí-la e ficar com Logan, o que durou pouco com a morte dele. Mas Tom conhece Shiv, ela o quer por perto e para mal-tratar, mas só ama se for igualmente humilhada. Um jogo cruel e perigoso no qual Tom está consciente e ela não.

Que Shiv esteja confusa, é realista. Mas ela ‘se apaixonar’ por Tom a essa altura da história é incômodo. Ela não o amava profundamente e até está ok que queira usar a inversão do jogo para colocá-lo de volta no lugar, mas é justamente estar incerta do que quer que coloca Shiv como a mulher perdida, magoada com o ex e usando de charme para fazer ciúmes nele, quando há muito mais em jogo.
Cercar Shiv nos momentos de fraqueza é uma jogada que dá certo para Tom. Os dois reatam o caso e assim como ela fez com os irmãos, têm um papo ultra franco. Shiv o acusa de ter dado o golpe do baú, Tom admite e vai além. “Sempre quis ganhar e manter meu dinheiro”, explica, portanto, para manter seu padrão de vida, faria e fez qualquer coisa. Estaria do lado dela se ela não o ameaçasse de descarte frequentemente. Mais ainda, a colocou no lugar lembrando que se ela fosse diferente dele, o teria abraçado em uma vida simples. Ela alega que faria, mas ambos sabem que está mentindo. Assim, eles conversam sobre Matsson, sobre o futuro e Shiv o mantém como aliado. Tudo pelas costas dos irmãos. Estar fechando um plano B com dois homens que não são confiáveis podem ser um fantasma de Logan agindo na baixa auto-estima de Shiv, mas estão longe de provarem que ela tem habilidade para liderar sozinha. O que ELA conseguiu, o acordo bilionário, foi também uma estratégia de Lukas. E o que ela QUASE CONSEGUIU, destruir Kendall com a proposta do Living+ era também para agradar o sueco, não por ela. Quero Shiv com apurado e empático poder nos negócios, não uma mulher usada por homens.
Voltando à Kendall e Roman, os dois seguem com o plano de tornar a venda impossível. Para Shiv, parece que eles querem tirar seu crédito de terem conseguido mais dinheiro (afinal eles jamais admitem que não pediram mais), mas é um mal entendido. Primeiro, eles não sabem que ela está agindo pelas costas. Segundo, para eles não é uma questão de dinheiro. Não querem vender e seguem agindo com esse objetivo. Portanto Shiv jogou fora um papo vital para nortear suas decisões ao ir chorar na sala. Ela tinha colocado os irmãos contra a parede e eles falaram para ela o que estão fazendo. Sem se entenderem, ela sai da sala. Imperdoável.

Roman está como ele avisou à Matsson: morto e acabado. As pessoas acham que ele está demitindo à torto e à direita, mas nos dois casos ele precisava afirmar sua posição e as duas mulheres o desrespeitaram. Joy, a presidente do Estúdio se recusa a responder sobre os custos do filme fracassado para cobrar no lugar uma posição política do grupo? Posso estar errada, mas era necessário fazer o que Roman fez. E Gerri, mesmo em posição de poder, o confronta pela maneira que demitiu Joy, o que é correto, mas perde a mão em tratar Roman como uma criança. Ele é direto: ela não pode esquecer da posição dele na empresa e não pode falar com seu chefe assim. Quando ela recusa? Ele a demite. Mas volta atrás. Porque como todos apontam, Roman está imitando Logan e esperando que seu nome desperte o mesmo respeito, mas não toma as decisões por ele mesmo. Nunca o fez!
Assim nos despedimos de Roman quebrado, enciumado e ressentido. Ele ouviu Shiv que apostou na derrota de Kendall e se deu mal. As vitórias de Kendall sempre são prelúdio de desastre, mas ele apoia Roman em tudo, até nas demissões impulsivas. Na sua visão, os dois estão alinhados nas mudanças necessárias e os opositores querem manter o status quo. A paródia da apresentação do Living+ com fenômenos tecnológicos como o Theranos foi bacana. Kendall quase derrapa no seu antigo estilo de perder o foco com bobagens, mas consegue fazer uma apresentação de sucesso. Como sabemos? Lukas caiu na armadilha e comete um erro bem público como consequência.
O próximo episódio, pelo que vimos, trará um Lukas mais ofensivo. Será que será o catalizador da união familiar?