Roteiristas em greve em Hollywood

Depois de meses de negociação, o Sindicato dos Roteiristas não entrou em acordo sobre o reajuste salarial com os estúdios em Hollywood, como Netflix, Paramount+, NBCUniversal, Apple, WBD, Amazon, Sony e Disney, e o resultado é GREVE. Isso mesmo, pela primeira vez em 15 anos os trabalhos estão paralisados.

São cerca de 11.500 escritores sindicalizados e a disputa é tanto salarial como contratual, pedindo mudanças estruturais no modelo de negócios em uso atualmente. O principal argumento é que, com o boom das plataformas digitais, os roteiristas sofreram financeiramente porque os projetos ficaram mais curtos, interferindo diretamente nos pagamentos residuais, porque, para se ter idéia, em tempos de TV linear, uma temporada comum de série teria pelo menos 20 episódios, o que trazia uma estabilidade anual para o time de redatores envolvidos. Atualmente o volume foi reduzido para 8 ou 12 episódios, assim como menos temporadas, portanto os salários médios caíram proporcionalmente.

Segundo os cálculos do sindicato, a queda representa até 23% nos salários médios dos produtores-roteiristas nos últimos 10 anos. Por isso uma das partes da demanda atual que acabou levando à greve é a contratação de um percentual de escritores por tempo determinado, “sejam necessários ou não” para a temporada. Cota de redatores, em outras palavras.

Talvez uma das questões mais sensíveis seja a fórmula dos pagamentos residuais e royalties (Resíduos são taxas fixas negociadas pelos Sindicatos e royalties são negociáveis caso a caso). Há 10 anos, antes do boom do streaming, além dos salários e demanda por temporadas longas, os roteiristas também recebiam pagamentos residuais quando o programa era licenciado ou posto à venda em DVD/Bluray. Esse mercado está estagnado e cada vez menor justamente com a oferta do de plataformas globais como Netflix e Amazon. Como elas não abrem os números de view e a fórmula de cálculo para medir o consumo específico de cada conteúdo seria complexo, passaram a pagar um valor residual fixo, comparativamente menor. Em geral, escritores com nomes mencionados nos créditos finais ganham cerca de 1,5% da receita bruta total de um roteiro.

No streaming ou TV Paga, segundo a WGA, os resíduos de exibição e reprises mantém valores fixos, mas os que vêm de receita (taxas de licença, etc) seguem outra fórmula porque têm mais fatores em consideração. Vejamos: valores residuais são pagos anualmente e são recalculados à medida que o programa envelhece, chegando a um patamar fixo de 1,5% depois de 12 anos. O que determina o valor final do resíduo fixo é a duração do programa (Base Residual), o tamanho do serviço quando o programa foi escrito (Fator de Assinante) e o ano de exibição (Ano de Exibição %). Se a plataforma operar internacionalmente, como é o caso de quase todas hoje em dia, há um pagamento anual adicional pela reutilização internacional, que é de 35% do pagamento doméstico para cada ano. Veja o cálculo para os roteiristas americanos aqui, se tiver curiosidade.

Mas voltando ao streaming porque é onde está um dos pontos mais difíceis da negociação. Atualmente, a porcentagem é determinada cima do número de assinantes na data em que se fecha o acordo, valendo por 12 meses, sem reajustes mesmo que o total de assinaturas altere no período. E mais, “se aplica aos cálculos residuais nos anos subsequentes, mesmo que o serviço cresça”, explica o site. Ou seja, nos anos da pandemia e nos quais as assinaturas bombaram, não alterou o total pago por resíduos aos roteiristas. “A compensação inicial cobre 90 dias de uso em uma plataforma de streaming com 1 milhão de assinantes domésticos ou mais. Para serviços com menos de 1 milhão de assinantes domésticos, o pagamento cobre um ano de uso. Após essa janela inicial, os resíduos são devidos a cada período de 12 meses de disponibilidade no serviço”, explica a WGA.

E não é apenas uma questão financeira, mas uma parte da criação também. A prática recente de “minirooms”, nos quais grupos de escritores trabalham em uma base de roteiro mesmo antes do programa ser aprovado também é alvo de reclamações. Alguns argumentam que o roteirista ganha menos e não participa do processo de produção depois, perdendo uma oportunidade de crescimento profissional. “As empresas usaram a transição para o streaming para reduzir o pagamento dos roteiristas e separar a escrita da produção, piorando as condições de trabalho para os roteiristas de séries em todos os níveis”, argumentou o Sindicato dos Roteiristas em um boletim de 14 de março, intitulado “Writers Are Not Keeping Up”.

Sem necessariamente ser a última questão, o grande medo atual também é o uso da inteligência artificial para textos. O sindicato quer um compromisso dos estúdios que não usem a tecnologia para reescrever scripts a partir de trabalhos humanos nem que peçam à roteiristas que reescrevam rascunhos de scripts criados pela IA.

O momento de pedir mais é bem ruim para os grandes estúdios, muitos que passaram por grandes fusões e estão demitindo funcionários mundialmente, como Warner, Amazon e Disney. Como os projetos levam de 6 meses a um ano para ficarem prontos, a greve vai demorar um pouco para afetar as plataformas, mas a TV aberta e os programas ao vivo sentirão a consequência ainda essa semana.

A Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), que representa os estúdios, diz que houve uma proposta “generosa na compensação” aos roteiristas, mas aparentemente, insuficiente. Com os “vilões” da hora – economia em recessão, IA e streaming – o mercado está sob pressão total, com a TV aberta sofrendo ainda mais porque com a evasão do público houve a queda da receita de anúncios, algo que ainda não voltou ao equilíbrio pré-digital.

Quem “lucra” com a disputa? O mercado internacional, de uma maneira tortuosa. A Netflix, que há anos tem foco global, acesso a instalações de produção fora dos EUA e conteúdo estrangeiro tendo destaque (Casa de Papel, Round 6 foram fenômenos recentes e ambos são estrangeiros), tem como “sobreviver” quase sem afetar seu acervo.

E agora? Vamos acompanhar!

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