A força da verdade na história de Rainha Charlotte

Fãs da franquia Bridgerton estão unânimes: Rainha Charlotte, o spin-off apresentado como “uma história Bridgerton” é melhor do que as duas temporadas anteriores. Não é exagero. A mini de seis episódios é intensa e nos faz rir, chorar, torcer, ficar nervosa e chorar muito de novo. Ainda mais se você for maníaco por histórias reais como eu. Você sabia? Bridgerton é ficção pura, a Rainha Charlotte? Nem tanto.

Vamos abrir o jogo aqui. Shonda Rhimes é gênio. Sem exagero da palavra. Bridgerton foi apenas seu primeiro projeto com a Netflix e pegou o mundo (carente e apavorado no início da pandemia), de supetão. A adaptação dos best-sellers de Julia Quinn era para ser seu segundo trabalho na plataforma, mas por razões diferentes marcou sua estreia. Virou febre mundial. Com elenco inclusive, uma história típica do universo romântico de Jane Austen, ritmo de Downton Abbey, narrativa de Gossip Girl e pitadas de Outlander, a série ganhou fãs e já tem duas temporadas disponíveis (cada uma vai focar em um dos irmãos Bridgertons, portanto faltam algumas) e também usou com inteligência uma fórmula goara comum: mesclar personagens reais circulando entre as fictícias. Nesse caso foi a Rainha Charlotte, que não aparece nos livros mas na série é citada como o começo de onde “tudo mudou” na sociedade britânica.

Com suas perucas criativas, um humor ácido e muita elegância, Charlotte seria uma coadjuvante na história não fosse a perfeição da atuação de Golda Rosheuvel, que roubou a cena. Voltou na segunda temporada e repetiu o feito, portanto quando anunciaram em maio de 2021, que estariam trabalhando em um spin-off apenas para contar a história da rainha, comemorei. A história de Charlotte, como a série prova, é fascinante. Melhor do que a ficção.

Primeiro, embora seja de naturalidade alemã, desde 2009 historiadores apontam Charlotte como possivelmente a primeira rainha bi-racial da história inglesa. A avó da Rainha Vitória, esposa do Rei George III, nasceu Sophie Charlotte Mecklenburg-Strelitz  e era descendente da portuguesa Margarita de Castro e Souza, por sua vez filha do rei português Afonso III com uma amante moura. Charlotte se casou com George III quando tinha apenas 17 anos, tiveram 15 filhos, incluindo o pai da princesa Vitória.

Ela e George se casaram quando Charlotte tinha 17 anos e ele, 22. Foi uma união de amor genuíno, testada duramente pela saúde mental frágil do Rei. Já tínhamos tido um relance desse amor entre eles em Bridgerton, mas agora vamos e voltamos no tempo para acompanhar como tudo começou. Se você não assistiu à Bridgerton, quando sair do foco do casal real, não vai entender a história, mas efetivamente o que interessa é o casal Charlotte-George, então não chega a atrapalhar. A vantagem das idas-e-vindas é ter a maravilhosa Golda Rosheuvel de volta e ver como a jovem India Amarteifio, que interpreta a jovem rainha, captou os nuances da atriz, dando uma consistência para a história e nos encantando no processo.

Charlotte chega à Londres, contra sua vontade, para se casar com Rei George III (Corey Mylchreest na juventude; James Fleet como a versão mais velha). Ela faz parte do “Grande Experimento” imaginado pela Rainha Mãe para trazer diversidade à Corte. O grande segredo – a instabilidade mental do rei – é um segredo guardado à sete chaves e que interfere imediatamente no casamento dos dois. Aqui já começa a beleza da narrativa. Charlotte e George, com química perfeita entre os atores, realmente se apaixonaram, e realmente ela só descobriu a verdade depois de uma crise dele. Como até hoje se questiona o que ele realmente sofria (a corrente de defende o transtorno bipolar ganha fôlego), os sofridos e humilhantes tratamentos os quais ele se submeteu são parcialmente verdadeiros também. Corey Mylchreest, em particular, trouxe a doçura e vulnerabilidade para o papel que nem sempre foi vista. Em geral, como é chamado de “Rei Louco”, as crises de George foram recontadas de forma cômicas, expondo ao rei que sofreu uma vida de instabilidade à piadas e críticas. Em Rainha Charlotte não, sofremos com ele e com ela, torcendo por uma solução que, infelizmente, não foi encontrada.

À parte de Charlotte, que nos dias atuais de Bridgerton e da série está lidando com a questão da sucessão (solucionada com o nascimento de sua neta, a Rainha Vitória), descobrimos mais sobre o passado de Lady Agatha Danbury (Adjoa Andoh e, quando jovem, Arsema Thomas) e o elo de ligação dela com Violet Bridgerton (Ruth Gemmell). Vou evitar spoilers, é bem bonito. Porque se Charlotte e George representam o começo de uma história de amor, tanto Lady Danbury como Violet, mulheres de meia-idade e viúvas, se questionam se a vida acaba no primeiro casamento. Outra história delicada e inesperada é a de Brimsley (Sam Clemmett) , fiel escudeiro da Rainha, sempre presente e alguns passos atrás dela. A relação de amizade dos dois, do amor dele por Reynolds (Freddie Dennis), que cuida de George, também nos enche o coração de esperança. Nos bastidores, são Brimsley e Reynolds que ‘salvam’ o casal, sem interferir ou quebrar regras, mas os ajudando a superar os obstáculos.

Prometo que não entreguei os spoilers principais e me controlei porque tenho certeza que eles te emocionarão como fizeram comigo. A cena final é pura poesia, mais ainda, porque é verdadeira. Charlotte cuidou de George até o final da sua vida, os dois estão enterrados juntos em Windsor. Uma história que não tem nenhuma loucura, apenas empatia e amor.

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