Enquanto esteve vivo, Prince era notoriamente discreto, avesso às câmeras e praticamente contra as redes sociais. Sua luta contra o uso de sua Arte em plataformas como YouTube, Instagram ou Facebook – que ele não permitia sequer um vídeo oficial, menos ainda “pirata” – fez sua música ficar difícil de encontrar e partilhar por anos. Prince estava certo, claro. “Como o YouTube não paga taxas de licenciamento equitativas, essa não é uma pergunta sem sentido?”, ele explicou em um tweet quando questionado sobre sua oposição. “Suas preocupações não deveriam ser direcionadas ao YouTube e não aqui?”, respondeu ao fã que o questionava por sua decisão.
Portanto é mais do que simbólico que seja sua imagem que esteja hoje à frente de um dos casos mais significativos sobre a definição entre Arte, Copywright e Fair Use. Para consumidores pode parecer semântica, mas está longe disso, em especial com a tecnologia deixando ainda mais cinzento o campo de autor e material original. Estou falando da vitória da fotógrafa Lynn Goldsmith, uma lenda para quem ama música e Cultura em geral e que é a autora de uma foto icônica do ídolo, mais conhecida por nós como o Orange Prince (Prince Laranja), assinada não por Lynn, mas por Andy Warhol.
A história do quadro merece um post à parte, assim como o perfil de Lynn, mas o imbróglio judicial, no entanto, é de extrema relevância porque foram seis anos desde que a ação movida pela Fundação Andy Warhol contra a fotógrafa gerou o rebate de violação de direitos autorais e foi subindo com recursos até sua conclusão, em 2023. Como estância mais alta da Justiça, Supremo Tribunal dos Estados Unidos encerrou o caso definitivamente, com a derrota dos representantes de Warhol. Em outras palavras, não houve “uso justo” de uma imagem icônica e tampouco houve uma transformação significativa do material que a o colocasse no patamar de algo original.

A decisão do tribunal no caso Warhol vs Goldsmith afetará todas as expressões artísticas, algo importante para Lynn. Pena que Prince, falecido no ano em que o processo começou, não pode celebrar com ela. Aliás, foi justamente sua morte prematura e surpreendente que deu o pontapé para a discussão.
A foto original foi feita em 1981, quando ele ainda estava ascendendo no mercado e era para ser publicada na Newsweek. No entanto, os close ups não foram usados pela publicação e os negativos – de propriedade de Lynn – ficaram com ela. Apenas três anos depois, com o mega sucesso de Purple Rain, Prince virou um astro internacional e a Vanity Fair precisava de uma imagem inédita do artista para ilustrar o artigo “Purple Fame”, sobre a fama do cantor. Para isso, a revista contratou Warhol para criar a ilustração e pagou quatrocentos dólares de licenciamento à fotógrafa para usar um dos registros inéditos como “referência artística”. O combinado era creditá-la por conta do uso da fotografia de origem para a ilustração. Assim nasceu a Prince Series, que são 14 serigrafias e 2 desenhos a lápis da imagem. Uma dessas impressões, a “Purple Prince”, foi publicada na Vanity Fair.
Entre 1984 e 2016, aparentemente estava tudo certo, mas, com a morte do cantor, a Condé Nast (empresa controladora da Vanity Fair e The New Yorker) buscou uma imagem para ilustrar a capa de uma edição especial e comemorativa que foi batizada como The Genius of Prince. Para poder usar uma das imagens da coleção Orange Prince, a Condé Nast pagou 10 mil dólares à Fundação Andy Warhol, que detém os direitos autorais do artista, mas publicou a imagem sem creditar ou pagar nada a Lynn Goldsmith. Para a fotógrafa, houve violação de direitos autorais, para a Fundação, houve “uso justo”, porque o uso era “para fins como crítica, comentário, reportagem de notícias, ensino. . . bolsa de estudos ou pesquisa”.
O uso de “uso justo” sempre foi algo muito complicado para jornalistas, é uma discussão complexa. Mas nesse caso, o argumento da Fundação foi dúbio: se fosse assim, a Condé Nast não teria que ter pago a licença. E pagou. Argumentar também que o uso justo era quanto à foto, mas que o material pago foi porque Warhol “transformou” a foto na qual ele se baseou, colocando outra questão ainda atual: o que exatamente “transformar” uma obra significa?
No processo, a Fundação alegou que se tratava de acrescentar algo novo e que alterava a mensagem e a expressão da foto usada como base, no caso uma imagem em preto e branco que destacava a vulnerabilidade de Prince e que teria sofrido uma alteração significativa com as cores e elementos pintados por Warhol, o transformando em ícone. Para a fotógrafa, o objetivo não estava em diminuir em nada o acréscimo artístico do pintor, mas esclarecer que nenhuma transformação tira dela os direitos autorais, principalmente usando como base argumentos vagos e subjetivos. Nada muda o fato de que – para criar o Orange Prince – Warhol precisou da foto feita por Lynn. Não há transformação significativa ou sutil que mude a realidade.
Essa decisão impacta diretamente as discussões de NFTs e Inteligência artificial porque agora há um parecer do Supremo que pode ser usado como base para definir o limite da “liberdade” artística. sobre obras existentes e quais são as restrições da lei de direitos autorais.
“Os trabalhos originais de [Lynn] Goldsmith, como os de outros fotógrafos, têm direito à proteção de direitos autorais, mesmo contra artistas famosos. Essa proteção inclui o direito de preparar trabalhos derivados que transformem o original”, escreveu a juíza Sonia Sotomayor, relatora do caso. As duas partes contrárias à decisão final, a juíza Elena Kagan e o juiz John Roberts, se preocupam que essa visão “sufoque a criatividade de todos os tipos” e que “torne nosso mundo mais pobre.”
Um assunto que ainda vai render. E muito. Por exemplo, em cima dessa decisão, os detentores dos direitos autorais de Marilyn Monroe e mais ainda o ‘Shot Sage Blue Marilyn’ , que usou uma foto feita para promover o filme O Rio das Almas Perdidas (Niagara Falls), de 1953, pode gerar igual questionamento. Vendido por 200 milhões de dólares em 2022, é hoje o quadro mais caro de Andy Warhol. A família de Jock Carroll – o fotógrafo original – teria um argumento interessante a partir desse processo de Lynn Goldsmith. A Fundação abriu uma caixa de Pandora ao questionar a autora. Teria sido mais fácil pagar e consertar a falta de crédito…
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