Romeu e Julieta e Onegin: Os 60 anos da Renovação e Criatividade no Balé Clássico

Para os amantes do balé clássico, há décadas que se discute o “fim” dessa Arte por ser, essencialmente, voltada para o passado. Mesmo os coreógrafos criativos não apostam com frequência no que se chama full lenght ballets, os balés longos ouos balés de repertório, montando peças com mais de 100 anos ano após ano. Em 2025, dois dos mais significativos balés das décadas mais recentes completam 60 anos. Será que a dança clássica tradicional realmente está superada?

Em 2025, dois dos mais significativos balés das últimas décadas completam 60 anos: Romeu e Julieta, de Kenneth MacMillan, estreado pelo Royal Ballet em 1965, e Onegin, de John Cranko, apresentado pela primeira vez pelo Stuttgart Ballet no mesmo ano. Ambos representam uma tentativa de renovação dentro da tradição, trazendo uma abordagem dramática intensa e exigências técnicas que desafiam os bailarinos. A permanência dessas obras no repertório de companhias ao redor do mundo sugere que a dança clássica segue viva e relevante.

O que se chama de ‘balé de repertório’ são, em sua maioria, os balés narrativos, ou seja, aqueles que contam uma história—diferente dos balés abstratos, como os de George Balanchine, que priorizam a forma e a musicalidade sem um enredo definido. Algo que ele odiava, mas muitos chamam de “balé sinfônico”.

O questionamento sobre a contemporaneidade do balé clássico vem da resistência em criar novas obras de repertório. Enquanto as grandes companhias continuam a remontar O Lago dos Cisnes, Giselle e A Bela Adormecida, poucos coreógrafos se arriscam a expandir esse repertório. Alexei Ratmansky e Christopher Wheeldon são algumas das exceções, mas suas produções ainda são minoria em comparação com os títulos tradicionais.

Por outro lado, a linguagem do balé clássico continua a evoluir em obras mais curtas e experimentais. Coreógrafos como William Forsythe e Crystal Pite exploram a técnica clássica de forma inovadora, inserindo-a em narrativas e estéticas contemporâneas. Essa evolução mostra que, apesar da tradição, o balé não está congelado no tempo.

Os anos 1960 e 1970 são considerados também como um “último grande florescimento criativo” para o balé clássico, com nomes como John Cranko, Kenneth MacMillan, Maurice Béjart, George Balanchine, Frederick Ashton e Yuri Grigorovich à frente de produções ousadas que até hoje são referência. Esse período pode ser considerado o último grande momento de renovação e criatividade para o balé clássico, onde novas formas de expressão e temas mais contemporâneos foram incorporados ao gênero, sem perder a essência da dança.

Entre as figuras mais proeminentes dessa era estão John Cranko e Kenneth MacMillan, cujos balés se destacaram não apenas pela ousadia de suas coreografias, mas pela profundidade emocional que trouxeram aos palcos. Ambos, com suas versões de Romeu e Julieta, souberam transformar a clássica história de amor trágico em um espetáculo visceral e com uma carga dramática mais intensa do que as versões anteriores, elevando o balé narrativo a novas alturas. O Romeu e Julieta de Cranko, criado em 1962, é uma das obras-primas desse período, combinando sensualidade e tensão emocional, enquanto a versão de MacMillan, de 1965, se destaca pelo tratamento psicológico dos personagens e uma construção coreográfica que reforça a tragédia da história.

Em 1965, Cranko também criou Onegin, outra obra fundamental que se insere nesse movimento de renovação do balé clássico. Baseado no romance Eugene Onegin de Pushkin, o balé trouxe uma nova abordagem para o conceito de balé narrativo, ao explorar intensamente a psicologia dos personagens. A obra é marcada pela força emocional de seus protagonistas, especialmente no que diz respeito ao amor não correspondido e ao arrependimento. Onegin consolidou Cranko como um dos maiores inovadores do balé do século 20, mesclando técnica clássica com uma narrativa dramática que ainda hoje encanta o público.

Ambos os coreógrafos compartilham uma característica comum: a busca por uma dança mais expressiva, que dialogasse diretamente com as emoções do público. MacMillan, por exemplo, inovou ao integrar a técnica clássica com uma sensibilidade moderna, criando obras que exploravam os aspectos psicológicos e dramáticos de seus personagens, um movimento quase revolucionário para a época. Cranko, por sua vez, trouxe uma sensibilidade mais focada na narrativa, sem abrir mão da técnica refinada.

Romeu e Julieta e Onegin, continuam sendo peças-chave no repertório de muitas companhias de balé até hoje. A temporada atual do Royal Ballet, por exemplo, celebra Romeu e Julieta de McMillan, uma peça assinatura da companhia, mas também tem uma montagem de Onegin, nos 60 anos de ambos os balés.



Além de amigos pessoais e terem os mesmos gostos, Cranko e McMillan eram profundamente inspirados por suas musas. John Cranko, que deixou o Royal Ballet pelo Balé de Suttgart, tinha uma visão detalhada da narrativa e técnica refinada, encontrando em Marcia Haydée, uma das maiores bailarinas brasileiras, a intérprete perfeita para dar vida aos seus balés, como Romeu e Julieta e Onegin. Sua habilidade de se entregar emocionalmente aos papéis foi crucial para a profundidade e impacto dessas obras.

E Onegin, a estreia mundial ocorreu em 13 de abril de 1965, com Marcia Haydée no papel de Tatiana, Ray Barra como Onegin, Egon Madsen como Lensky e Ana Cardus como Olga, mas foi revisada entre 1965 e 1967, ajustando o final para intensificar o drama da cena final entre Tatiana e Onegin. A versão padrão foi apresentada pela primeira vez pela companhia de Stuttgart em outubro de 1967.

Kenneth MacMillan teve em Lynn Seymour uma parceira artística fundamental e criou para ela a que muitos consideram a versão definitiva de Romeu e Julieta, em 1965. Seymour, com sua impressionante capacidade de expressão emocional e técnica impecável, foi a chave para transmitir as complexas emoções do balé, tornando-se uma figura central na interpretação de seus personagens, porém, como sabemos, ela foi preterida na estreia. Isso porque, mesmo que o lendário pas de deux do balcão tenha sido concebido para Lynn Seymour e Christopher Gable em 1964, a direção do Royal não considerou que os nomes dos dois fossem criar interesse na bilheteria. A dupla foi substituída por Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev, que foram aplaudidos por mais de 43 minutos e estrelaram a versão filmada também.

Essa decisão, naturalmente, desanimou MacMillan e Seymour, ela ainda mais por ter decidido terminar uma gravidez para a produção e se preparou intensamente para o papel. O drama afetou temporariamente sua relação com MacMillan e levou a uma breve saída do Royal Ballet por anos. A reconciliação deles resultou em outras obras notáveis, como Mayerling e Manon, consolidando a parceria artística entre eles como uma das mais lendárias da História da Dança.

Nesse mesmo período, Frederick Ashton, grande nome do balé britânico, trouxe algumas das suas obras mais marcantes, que também exemplificam a renovação da dança clássica. A Month in the Country (1960), inspirado na peça de Turgenev, é uma obra que mergulha na complexidade psicológica de seus personagens, marcando uma das criações mais sofisticadas e dramáticas de Ashton. Já The Two Pigeons (1961), com sua narrativa de romance e separação, combina a leveza do balé clássico com uma expressividade emocional única, enquanto sua remontagem de La Fille mal gardée (1960, rev. 1963) trouxe frescor a um clássico do século 18, garantindo um lugar fixo no repertório das companhias britânicas e internacionais.

Em paralelo, figuras como Grigorovich, com suas grandiosas criações como Ivan o Terrível (1975) e Spartacus (1956), trouxeram um enfoque diferente. Ao incorporar temas folclóricos e históricos, Grigorovich introduziu uma nova dimensão ao balé clássico, com uma forte ênfase no poder da dança para contar histórias épicas e emocionais.

Seus balés eram grandiosos, com cenários e figurinos impressionantes, mas também trouxeram à tona questões políticas e culturais, conectando o balé a um contexto mais amplo de luta e resistência. A fusão de elementos folclóricos com a técnica clássica fez de suas obras uma mistura de balé e teatro, trazendo um frescor que ressoava com a época e que ainda é reverenciado em muitas apresentações.

Esses criadores não só definiram um período de grande criatividade no balé clássico, como também abriram o caminho para uma nova era de inovação e complexidade na dança. Se o balé clássico sobrevive apenas através de suas grandes obras do passado ou se ainda há espaço para novas criações em formato longo é uma questão em aberto. No entanto, a presença contínua de obras como Romeu e Julieta e Onegin indica que a emoção e a força da dança clássica ainda conquistam públicos, e talvez seja isso que garanta sua perenidade.


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