A personagem fictícia de Richard Hannay foi apresentada ao mundo em 1915, no clássico da literatura britânica: Os 39 Degraus, e imortalizado no cinema 20 anos depois, no filme de mesmo nome dirigido por Alfred Hitchcock. Enquanto Hitch gostou da fórmula criada pelo autor escocês, John Buchan – a de um homem comum e inocente acusado de um crime que precisa fugir, limpar seu nome e salvar o mundo – que usou em quase todos seus filmes depois, o thriller de espionagem também influenciou fortemente Sir Ian Flemming anos depois na criação de James Bond. Isso mesmo, o DNA escocês de 007 vem de 108 anos atrás. A popularidade de 39 Degraus é tão grande que mesmo depois de filmes, séries, radionovelas e peças teatrais está sendo refilmada para Netflix, com Bennedict Cumberbatch no papel principal.


Bennedict, que ficou mundialmente famoso como Sherlock Holmes, resgata a fórmula básica de um livro extremamente popular, cuja versão de Hitchcock (que tomou várias liberdades com a história original), costuma ser a principal referência. E por que trazer uma personagem tão antiquada para a plataforma? Uma provável franquia é a melhor aposta. Nos anos 1970s, estrelada pelo ator de Jesus Cristo de Zeffirelli, Robert Powell, fez sucesso na TV inglesa. Será que sobrevive às mudanças culturais?
Vejamos o apelo da história. O autor, John Buchan, estava acamado quando usou o tempo forçado de recuperação de uma úlcera para criar a história que o fez imortal. O título veio de uma brincadeira familiar, sua irmã estava aprendendo a contar e afirmava que as escadas que a conduziam à praia “tinham 39 degraus” e ele gostou do número, apensa de saber que na verdade a conta exata seriam 108 degraus. Inspirado também na história de um oficial do Exército Britânico, William Edmund Ironside, que trabalhou como espião nas forças coloniais alemãs no sudoeste da África, o escritor criou Richard Hannay, um escocês descendente de alemães que viveu muitos anos na África do Sul, como engenheiro de minas. No Exército Britânico ele serviu no departamento de inteligência na Guerra dos Bôeres antes de retornar para Inglaterra, em 1914, e acidentalmente se vir envolvido nos eventos de Os 39 Degraus.
No livro, Richard está entediado em Londres e é surpreendido quando seu vizinho, invade sua casa pedindo ajuda. Ele tinha descoberto uma grande conspiração de espionagem internacional e os planos de um atentado, e estava sendo perseguido. Depois que os vilões matam o vizinho, Richard tem que escapar para sobreviver, mas também quer ajudar a impedir o atentado (ele ficou com as informações cifradas do plano, que incluíam apenas as dicas de 39 degraus e um horário. É só o começo para uma série de aventuras dramáticas de perseguições, explosões, mortes e traições.


A história original é ambientada nos meses que antecederam a Primeira Guerra Mundial, mesmo tendo sido publicada com o conflito já acontecendo. Como Buchan trabalhou para o Bureau de Propaganda de Guerra, sua história trabalhava com o medo da invasão, a desconfiança dos alemães e era marcada por “incidentes desafiam as probabilidades e marcham dentro das fronteiras do possível”. Todos temas de outros livros da época, mas que ele captou de forma espetacular em suas páginas. Depois do grande sucesso da obra, Richard Hannay apareceu em outros livros sempre como um herói engenhoso e de cabeça fria, características que Ian Flemming ia usar anos mais tarde para criar James Bond. Assim como 007 lida com a S.P.E.C.T.R.E., os inimigos de Hannay se tornam gangues criminosas internacionais depois da Guerra e por isso seu trabalho tem prosseguimento.
O impacto de Richard Hannay para o arquétipo clássico do herói de histórias de ação é inegável. Alfred Hitchcock gostou tanto da fórmula que além do filme de 1935, a usou para O Sabotador e outros filmes de suspense, o mais clássico depois do original em que traz “o homem inocente em fuga”, foi Intriga Internacional (North by Northwest), recriando mais uma vez uma das passagens mais famosas de Os 39 Degraus, a da perseguição de um avião ao herói em um campo aberto.



O papel ficou famoso no rosto do ator Robert Donat e será um desafio meio que fácil para Benedict Cumberbatch, algo no meio do caminho da arrogância de Sherlock e Dr. Strange. Fico curiosa para saber se a base será o clássico de Hitchcock – que se afastou significativamente do livro – ou se tentará manter a história de John Buchan. Mais ainda, se será uma obra de época ou será modernizada. Seja como for, Hannay, que fez fortuna na África do Sul e serviu ao exército em tempos de exclusão, me parece efetivamente um papel complexo para resgatar nos dias de hoje.