The Crown é um dos fenômenos das plataformas digitais, uma série que foi lançada em 2016 com a proposta de cobrir a vida da Rainha Elizabeth II no poder. Com a monarca viva e (oficialmente) saudável, a série foi crucial para solidificar a imagem da Rainha Pop, a Rainha Imortal e todos as referências carinhosas à ela. A proposta era cobrir décadas da vida de Elizabeth de Windsor, desde quando herdou a Coroa, aos 25 anos, e entregar até o Jubileu de Diamante, em 2012, quando ela completou 60 anos no trono.
O plano foi extremamente bem aceito e trouxe imensa popularidade à Família Real, em especial quando se tratava dos primeiros anos de Elizabeth no poder, uma imagem que as gerações mais recentes desconheciam ou não lembravam. O carisma de Claire Foy e de Matt Smith como jovens Elizabeth e Philip elevaram a série para um fenômeno. Porém, a vida acontece.

Ao jogar luz para fatos esquecidos, ou pouco destacados, a série assinada por Peter Morgan (que também assinou o elogiado filme A Rainha) mesclava fatos íntimos reportados sobre os Windsors com o contexto político do período, igualmente retratando os Primeiros Ministros que lideravam o Governo britânico em cada período. Claro, a distância do tempo aliviava alguns fatos mais sensíveis (como a crise matrimonial com Philip, os dramas com a irmã, Princesa Margaret, os conflitos com o tio Príncipe Edward, entre outros). Porque com popularidade a porta para xeretagem foi escancarada e se há drama, há a Família Real.
A aproximação do período (até então) mais delicado na trajetória do reinado de Elizabeth II – a entrada de Diana Spencer na família, seu conturbado casamento com Charles e sua morte trágica) – davam arrepios pois não poderiam ser evitados. Ao mesmo tempo, a vida pessoal dos filhos de Diana, em especial a do Príncipe Harry, ameaçavam não apenas reforçar a difícil fronteira de ficção, realismo ou difamação que os mais críticos reclamavam com cada nova temporada, mas até ofuscar o passado. Afinal, o casamento dele com Meghan Markle unia os dramas mais significativos da história: a abdicação de sua posição por amor à uma divorciada americana (Príncipe Edward e Wallis Simpson), a opressão de ser o estepe e não poder seguir seu coração (Princesa Margaret) e finalmente, o rompimento com sistema da Firma fazendo revelações embaraçosas sobre a vida doméstica da realeza (Princesa Diana). Podemos concluir que Harry e Meghan atropelaram The Crown tornando o conteúdo praticamente irrelevante.
A terceira temporada, que recontou a juventude de Charles – espetacularmente interpretada por Josh O’Connor – e como seu romance com Camilla Parker Bowles foi impossibilitado pelas regras da realeza, reverteu pela primeira vez em mais de 30 anos a imagem negativa que o público tinha da atual Rainha consorte. A empatia durou pouco pois a entrada triunfal de Emma Corrin como a jovem Diana parecia um fantasma da verdadeira princesa, reascendendo a polarização de quem estaria certo ou errado em uma relação condenada desde o início.
Com a pandemia a produção atrasou e o que era para ter acabado junto com o Jubileu de Platina, em 2022, está para chegar em um ano em que muitos questionam o futuro da Monarquia (graças ao drama de Harry e Meghan). Está complicado ficar olhando para a história concluída tragicamente com a morte de Diana em comparação com a que está se desenrolando em dias atuais. Pior ainda, com a série já chegando aos anos 1990s, afeta diretamente pessoas ainda vivas e nada felizes com o que The Crown mostra, sugere ou faz as pessoas questionarem suas vidas. Ainda pior, há uma demanda para que a série continue, tamanha a dependência (e confusão) de que em vez de ficção, seja um reality show.


Mas talvez por pressão ou simplesmente querendo mudar o foco, Peter Morgan não mudou os planos. A última temporada será mesmo a sexta, terminando com o jubileu de diamante, como imaginado. E o que significa? Que a história de William e Kate fará parte da história, mas não a de Harry e Meghan. Isso mesmo, vamos até 2012, portanto com o casamento dos dois tendo acontecido em 2011, o casal terá protagonismo na temporada de despedida, como mostram as gravações com os atores Meg Bellamy e Ed McCvey, que interpretarão Kate Middleton e Príncipe William.
Na última temporada vamos revistar a morte de Diana – que Peter Morgan explorou em A Rainha – e o impacto para o futuro da monarquia na pessoa de William, o herdeiro. Está incerto como serão relatados todos os escândalos de Harry no período (as drogas, a fantasia de nazista, as fotos nu com prostitutas em Las Vegas), mas certamente vão voltar na “sedução” de Kate como amiga e depois namorada do futuro rei.


A última temporada de The Crown estava em gravação até recentemente mas era prevista para o segundo semestre de 2023. Será curioso pós coroação de Charles e dramas familiares sobre o evento. Acredito que é mesmo o momento de dar uma pausa na série pois o distanciamento do tempo é crucial para avaliar as agendas de cada notícia e quanto mais próximo das pessoas ainda em posição de destaque mais delicado tudo é.
A meu ver, diante da morte de Elizabeth II em 2022, assim como a de Philip em 2021, aceleram a urgência de uma conclusão do tema, a menos que queiram flertar com as inconsistências de um imediatismo.
Está cedo para prever o que será mostrado (além do óbvio), mas em geral será uma temporada incômoda e que determinará – em grande parte – como novas gerações olharão para a monarquia britânica. Um objetivo bem distante do original, mas ainda assim, interessante.


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